Abriu o guarda-roupa convicto de sua inocência. Como poderia ela imaginar que ele, homem reto, probo, a sacaneasse desta forma. Não: idéia inadmissível, essa. Pois ela, de quem esperava sempre o melhor, nunca uma injustiça, uma mágoa, caíra na conversa dessa gente vil, maledicente.

      Tá certo que Isaura tinha lhe feito um… agrado. Foi assim… uma… prenda. Sim, porque entre amigos um beijo é como um presente. Beijo! Um ósculo na face, sem malícia, prova inocente de amizade, mesmo quando depositado no canto da boca.

      Que decote? Ah, mas decote toda mulher usa! Ele não tinha culpa que a dona andasse decotada. Como assim “alça caída”? Tava caída, é? Pois, olhe, ele nem tinha reparado. Que beijo, meu amigo! Beijo o quê! Ora, quando alguém nos abraça, é natural que os lábios encostem involuntariamente – involuntariamente, ouviu? – no ombro da pessoa.

      Não, não tinha nada disso de mão na cintura dela. Tinha-as, as mãos, pendentes, lembrava-se bem. Não, em absoluto: tinha toda a certeza do mundo.

      Mas, afinal, o amigo está do lado de quem?! Ah, como poderia saber? “Sua excelência” fica aí a dar razão ao inimigo, o que haveria ele de imaginar?

      O fato é que ela não tinha o direito de pensar um isso dele, que por ela nutria todo o carinho do mundo… Não: amar, amar, não dizia – que amor é sentimento sublime, que só aos escolhidos toca e aos incautos colhe. Não, amor não. No entretanto, cultivava-lhe enorme respeito e fidelidade.

      Vosmicê se ri? De quê, é-lhe permitido saber? Pois que seja de vosso conhecimento que o que aqui se diz é expressão da mais insofismável verdade. Só tinha olhos pra ela, pra nenhuma mais!

      – Mas olhos não pegam, não amolegam, seu Edgar.

      Olhou furioso bem no fundo do espelho. Tomou do chapéu e saiu indignado do quarto, convicto de que eram cada vez mais raros interlocutores qualificados.