José Reinaldo Carvalho, vice-presidente do PCdoB e responsável pelas relações internacionais, fala à Princípios sobre o último encontro internacional de partidos comunistas e operários realizado em outubro em Atenas e também sobre a situação e os desafios do movimento comunista internacional

O debate do último encontro dos partidos comunistas e operários centrou-se na resistência dos povos ao imperialismo. As discussões diagnosticaram avanços no grau dessa resistência?
José Reinaldo – De uma maneira geral há uma consciência, por parte do movimento comunista, revolucionário e progressista no mundo, de que vivemos uma correlação de forças ainda desfavorável para o desenvolvimento das lutas das massas populares, e das massas trabalhadoras, assim como para a luta pelo socialismo como perspectiva. Esse quadro foi agravado pela emergência de uma força ultra-reacionária e militarista no centro do poder da principal superpotência, os Estados Unidos da América.
Assim sendo, o primeiro aspecto que eu levantaria sobre essa questão da correlação de forças, e que esteve presente nos debates em Atenas, é acerca da compreensão muito clara por parte dos partidos que estavam ali representados, sobre a estratégia atual dos EUA. O imperialismo norte-americano, sob o pretexto de fazer uma guerra ao terrorismo, criou a teoria – que, aliás, já está colocando em prática – das guerras preventivas.
O movimento comunista tem a consciência de que vivemos num mundo em que há uma superpotência exercendo sua hegemonia com métodos militaristas e belicistas. Por isso, no exame da correlação de forças os comunistas têm presente que há uma ameaça à própria sobrevivência da humanidade.
Mas tem o outro lado da correlação de forças. Todos os partidos reunidos em Atenas constataram como aspectos altamente positivos que as lutas políticas e sociais em caráter nacional, regional e mundial estão crescendo. Eu gostaria de me deter em alguns exemplos, apenas para ilustrar o argumento.
Primeiro, o movimento pela paz, que se transforma no grande leito da luta antiimperialista hoje, porque se a política de guerra é a essência, o centro da estratégia do imperialismo, a luta antiimperialista, passa por um equacionamento correto da luta pela paz.
Além das manifestações pela paz, constata-se em toda parte o crescimento das lutas democráticas contra as chamadas leis antiterroristas. Constata-se também uma grande retomada da luta sindical e trabalhista nos países capitalistas contra as políticas anti-sociais de seus governos.
Além da luta pela paz e dessas lutas sociais, que constituem uma expressão importante da luta de classes, e além das lutas democráticas, a reunião se debruçou ainda na constatação como algo positivo da emergência do movimento chamado antiglobalização, que teve origem em Seattle. Há uma forte unidade em torno da necessidade de intensificar em todos os países a luta contra o neoliberalismo.

Como você vê a retomada da luta dos povos na América Latina?
José Reinaldo – Os focos principais da política do imperialismo norte-americano para a América Latina são os seguintes: derrubar o regime revolucionário cubano; impedir o desenvolvimento da Revolução Bolivariana na Venezuela; intervir, militarizando-o, no conflito colombiano, tentando envolver um conjunto de países nessa política intervencionista, através da denominada Iniciativa Regional Andina e implantar a Alca, concebida não apenas como um “acordo” comercial, mas como uma estratégia claramente neocolonialista. Diante deste quadro, há uma grande solidariedade em todo o mundo com a Revolução Cubana e com a Revolução Bolivariana, que acaba de alcançar importante vitória no Referendo de agosto último. De nossa parte, temos mantido informados os nossos camaradas do exterior sobre os nossos esforços pelo êxito do governo do presidente Lula na realização de mudanças de caráter democrático, social e nacional, que justificaram a sua eleição em outubro de 2002. Os comunistas brasileiros não poupam a sua contribuição para que o governo brasileiro supere os impasses em que vive o país, rompa com o neoliberalismo e abra um caminho de desenvolvimento progressista para o Brasil. Estamos convencidos de que da luta entre os dois caminhos que se apresentam hoje – entre a continuidade das políticas neoliberais e a construção de um novo modelo de desenvolvimento nacional – poderá emergir um resultado melhor ou pior para as perspectivas das lutas dos povos de nosso continente.

A declaração final do encontro ressalta a necessidade de interação entre partidos comunistas, classe operária e movimento social na luta antiimperialista. Por que essa necessidade foi evidenciada?
José Reinaldo – Esse tema das relações entre o Partido Comunista, a classe operária e os movimentos sociais é palpitante, porque em torno disso há uma grande luta política e ideológica. Há uma corrente no movimento progressista mundial contemporâneo que advoga o divórcio entre o partido comunista e os movimentos sociais.
Consideramos que a luta social é essencialmente política, ainda quando não se manifeste como tal. Claro que tem uma dimensão própria, muitas vezes reivindicativa, cultural, ambientalista, comportamental. Tem, portanto, várias facetas, mas o seu sentido geral é sempre político.
Os partidos comunistas – não só eles, mas também as forças progressistas em geral – precisam descobrir qual é esse sentido político e exercer o seu papel como força impulsionadora dessa luta. Porque a politização das lutas de massas é a única forma que temos de esclarecer as massas. Fora disso é espontaneísmo. É manter o movimento de massas a reboque das forças social-democratas, aberta ou camufladamente burguesas, ou pequeno-burguesas.
Outro aspecto palpitante é a questão da luta antiimperialista, porque há também uma tendência hoje de se fragmentar a luta social, de se retirar da luta social o seu sentido de combate anticapitalista e antiimperialista. Obviamente, a realidade se apresenta muitas vezes com aspectos particulares. Mas o papel das forças de vanguarda é evidenciar e não encobrir a essência anticapitalista e antiimperialista das lutas sociais. A luta antiimperialista tem suas peculiaridades em cada país, por isso é preciso saber combinar bem as suas dimensões global e nacional.

Como buscar bandeiras que unifiquem os partidos comunistas e os movimentos de massas?
José Reinaldo – A luta antiimperialista é um aspecto muito importante da relação do Partido Comunista com os movimentos sociais. Uma ampla gama de questões pode ser enfeixada num programa de luta, capaz de unir os partidos comunistas com os movimentos sociais.
Nesse quadro, penso que cinco questões se destacam: 1- a luta pela paz, contra a guerra imperialista; 2- a luta pelo aprofundamento e a ampliação da democracia para as amplas massas trabalhadoras; 3- a luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e do povo contra as políticas neoliberais vigentes em toda parte; 4- a luta pela soberania nacional, vilipendiada pelas políticas neoliberais e pela ofensiva imperialista; e 5- a luta pelo desenvolvimento – uma questão mais específica dos países em vias de desenvolvimento ou dos países subdesenvolvidos.
Então, eu diria, paz, democracia, direitos sociais, soberania nacional e desenvolvimento são os pontos centrais de uma plataforma de luta capaz de estabelecer esse liame indispensável entre os partidos comunistas e os movimentos sociais.

A identidade comunista e a coordenação de esforços entre os partidos comunistas. Quais foram as propostas nesse sentido formuladas no encontro? José Reinaldo – A identidade comunista também é uma das questões fulcrais da luta ideológica dos nossos dias, porque com a derrocada da maioria dos países socialistas e com o trânsito quase que irrefreável das idéias revisionistas e oportunistas no mundo, é natural que tais idéias tenham também foro de cidadania em setores do movimento revolucionário e comunista. Em outras épocas também foi assim.
Desde que Marx e Engels começaram a desenvolver luta contra as primeiras manifestações de oportunismo, tais idéias estão presentes no movimento comunista. Quando Bernstein disse “o movimento é tudo, o objetivo final é nada”, foi lançada a linha mestra do oportunismo que consiste em subordinar os objetivos essenciais e estratégicos dos trabalhadores a interesses menores de curto prazo.
Hoje uma das formas de que se reveste o oportunismo é a diluição da identidade comunista, proclamando que não há mais lugar na história para o Partido Comunista, que o Partido Comunista é um ente historicamente superado, e que a luta se pode desenvolver e exercer através dos chamados movimentos, de frentes hegemonizadas por forças liberais em que os comunistas são marginalizados e de um sem número de outras formas de organização espontâneas.
Então, no meu entender, a questão sobre se existe ou não espaço nesta época histórica para o Partido Comunista é uma pedra angular da luta ideológica contemporânea.
Discute-se muito a questão da chamada forma-partido. Não é um debate apenas internacional, ocorre também aqui no Brasil. Hoje, à direita e à “esquerda” do PCdoB se argumenta que a forma-partido por excelência não é mais um partido de classe, de vanguarda, revolucionário, comunista e organizado com base no centralismo democrático. Obviamente, é necessário atualizar conceitos e práticas, renovar o movimento comunista, modernizar as formas de estruturação do partido. Mas, Partido Comunista marxista-leninista, de vanguarda é algo de que não podemos abrir mão.

Você foi o representante da direção nacional do PCdoB no Encontro de Atenas. Qual foi o centro da sua intervenção como representante dos comunistas brasileiros?
José Reinaldo – A nossa intervenção será publicada nos Anais do Encontro, pelos camaradas gregos, numa edição chamada Boletim Internacional, em várias línguas.
Basicamente, a parte política mais geral da nossa intervenção está contida na resposta à primeira pergunta. Fizemos uma condenação veemente da política de guerra do imperialismo norte-americano, da sua tese de guerras preventivas, das violações do direito internacional, da ordem internacional, das ameaças que pesam sobre a soberania e a democracia de cada país, das ameaças à paz mundial, das ameaças à segurança internacional. E fizemos uma defesa da nossa política antiimperialista. Defendemos a tese de que é preciso criar várias frentes de luta antiimperialista no mundo.
Na discussão sobre aspectos de tática e estratégia, defendemos uma questão que já é um princípio do método de atuação do nosso Partido: não há uma alternativa única de valor universal na luta antiimperialista, porque o grande risco que se corre é querer engessar a orientação. E nós somos muito ciosos das peculiaridades nacionais.
Procuramos também informar os camaradas dos partidos presentes sobre a nossa experiência, sobre como formulamos e aplicamos nossa política de alianças, como encaramos o princípio da unidade do povo, da unidade das forças antiimperialistas, sobre nossa compreensão de que a conquista da hegemonia das forças revolucionárias, comunistas, no nosso país é um processo longo e tortuoso de acumulação de forças.

Essa participação no encontro da Grécia é um exemplo de empenho do PCdoB em fortalecer as suas relações internacionais. Quais são as motivações desse empenho dos comunistas brasileiros no atual contexto?
José Reinaldo – O internacionalismo proletário é um componente essencial da ideologia do partido, da ideologia comunista. Diria mesmo que um dos traços distintivos do partido comunista é ser internacionalista. O partido também é patriota, luta pelos interesses nacionais. Não há contradição entre ser internacionalista e ser patriota.
O partido comunista tem relações, as cultiva e desenvolve, com um sem número de partidos comunistas, assim como com outros partidos progressistas do mundo. São relações que se desenvolvem nos níveis bilateral e multilateral.
Hoje há inúmeros eventos internacionais protagonizados pelos partidos comunistas ou que contam com sua presença destacada. Nós próprios organizamos, há um ano, um Seminário em Brasília, do qual se editou um livro. Foi um momento alto da nossa elaboração de política internacional, pois foi um seminário de natureza teórica, política e estratégica para discutir rumos da política internacional.
Existem encontros de caráter mais permanente, mais estruturados, como o da Grécia. Esse foi o 7º encontro de Atenas, que se realiza desde 1998, sob os auspícios do Partido Comunista Grego. Sempre com a presença de 60 a 70 partidos comunistas, debatendo temas diversificados. Esses encontros são consultivos, não deliberativos e não obrigam os participantes a aplicar resoluções estritas. Isso enriquece a nossa visão de mundo. Ao mesmo tempo, modestamente, sabemos que nossa intervenção nesses encontros ajuda os demais partidos no mínimo a conhecer a realidade brasileira e a latino-americana. No mínimo a nos conhecer melhor, como comunistas brasileiros.
A experiência dos encontros de Atenas é vitoriosa. É um encontro bem estruturado e que agora avança na criação de uma equipe com caráter de grupo de trabalho técnico, voltada para a organização dos próximos encontros. O nosso partido foi honrado com o convite para participar dessa equipe formada por outros sete partidos: Partido Comunista Cubano, Partido Comunista da Federação Russa, Partido Comunista da Boêmia e Morávia (República Tcheca), Partido Comunista da Índia, Partido Comunista do Líbano, Partido Comunista Espanhol e Partido Comunista da Grécia.
Podemos citar também a reunião entre os partidos comunistas da América do Sul mais o Partido Comunista Cubano e cinco partidos comunistas europeus – espanhol, português, grego, francês e a Refundação Comunista Italiana. A próxima edição deste encontro terá lugar na cidade brasileira de Porto Alegre, às vésperas do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2005.
O nosso Partido participa também – com espírito unitário e de frente única – do Fórum de São Paulo – que já teve 11 versões. É um encontro que se realiza a cada ano na América Latina. O FSP, concorrido por partidos de várias tendências ideológicas, tem uma configuração distinta do Encontro de Atenas que é um encontro de partidos comunistas.
Quero encerrar valorizando o empenho, a participação de todos os partidos comunistas, mas não poderia deixar de render uma homenagem e de ressaltar o papel dos camaradas do Partido Comunista Grego, que foi quem tomou a iniciativa e tem sediado esse encontro até aqui. Os comunistas gregos têm dado, assim, um grande exemplo de internacionalismo proletário. E nós temos certeza de que o movimento operário, revolucionário, comunista no mundo reconhecerá historicamente esse exemplo.

Elias Jabbour é membro da Comissão Editorial da Revista Princípios.

EDIÇÃO 76, DEZ/JAN, 2004-2005, PÁGINAS 54, 55, 56, 57, 58