12 de setembro de 1989: O Solidarnosc forma o novo governo, chefiado por Tadeusz Mazowiecki. Ao tomar posse, o primeiro-ministro promete acabar com a planificação econômica e criar uma economia de mercado. Desencadeia um plano de austeridade visando a pagar a dívida externa. O ministro das Finanças, Leszek Balcerowicz, anunciou mudanças "na direção de uma economia de livre mercado ao estilo ocidental". Em todos os terrenos anuncia-se uma "perestroika" de fazer inveja até a Gorbachev. Passados menos de 9 meses, o presidente do Solidarnosc, Lech Walesa, acusa de "bandidos" trabalhadores em greve contra o arrocho salarial promovido pelo governo.

Lech Walesa, principal líder do Solidarnosc, defende a privatização das empresas estatais. Mas diz: "os poloneses são muito pobres para comprar as companhias do Estado. Precisamos que os empresários do ocidente nos ajudem". E, numa visita de quatro senadores americanos a Gdansk, em agosto, convidou: "Vocês devem estabelecer bancos e empresas, estimular a economia e as pessoas".
Sob o novo regime polonês, Walesa espera "ver a morte do comunismo" e a construção de um sistema que seja "não capitalista, melhor que o capitalista".

Para compreender como as coisas chegaram a este ponto na Polônia, é necessário relembrar um pouco da história.

1945: Tropas nazistas de Hitler foram expulsas do país. Assumiu o poder o Soviete Popular Polonês. Este governo popular realizou uma reforma agrária e colocou nas mãos dos trabalhadores cerca de 10 milhões de hectares de terra – através de propriedades camponesas ou de fazendas estatais. Travou-se uma luta acirrada contra o partido da burguesia e dos kulaks (burguesia rural), dirigido por Mikolaychik.

1947, janeiro: Eleições para o Parlamento Nacional (Seim). As forças revolucionárias infringiram fragorosa derrota aos partidários de Mikolaychik. Bodeslaw Bierut, veterano dirigente comunista, foi escolhido pelo Seim como presidente da República.

1948, dezembro: Congresso unificado dos comunistas e socialistas de esquerda formou o Partido Operário Unificado da Polônia (POUP). Desmascarado um agrupamento oportunista que agia no Partido a serviço da burguesia. Vladyslaw Gomulka, líder do grupo, foi preso por sabotagem ao partido e à revolução.

1950-55: Primeiro Plano Quinquenal. A fabricação de máquinas e equipamentos foi multiplicada por três. Os empregos urbanos cresceram 60%. Criadas três mil cooperativas agrícolas. O parque industrial, destruído pela guerra, foi reconstruído.

1956: Nikita Kruschev assaltou a direção do partido e do governo da União Soviética. Bierut morre misteriosamente numa visita a Moscou. Pouco antes morrera, também na capital soviética, Klement Gottwald, dirigente comunista da Tchecoslováquia, vítima de doença súbita e pouco convincente. Coincidentemente, o mesmo aconteceu com o legendário George Dmitrov, da Bulgária.

Outubro, 1956: Por pressão dos kruschevistas, Gomulka foi solto e colocado na chefia do governo e do POUP. Na própria reunião do Comitê Central que o elevou a primeiro secretário do partido, ele declarou que o sistema cooperativista no campo e as empresas estatais não eram rentáveis. Do ponto de vista do ataque descarado às conquistas da revolução, adiantou-se em 30 anos à "perestroika". A construção do socialismo foi truncada nos primeiros passos.

O novo governo deslocou os investimentos prioritários da indústria pesada para a indústria leve. Restaurou a lógica capitalista da busca do lucro e de resultados imediatos.
O socialismo leva em conta o conjunto da economia em médio ou longo prazo. Ao invés da rentabilidade rápida no setor de bens de consumo, procura criar prioritariamente uma sólida indústria de bens de produção. Promove, assim, um desenvolvimento harmônico e ininterrupto. No capitalismo, as crises periódicas abalam a economia, pelo crescimento anárquico dirigido pela ganância.

Também no campo a coletivização foi interrompida em favor do incentivo às propriedades individuais. Criaram-se facilidades para a venda de terras e transmissão de bens por herança. Foram firmados acordos econômicos com a Alemanha Ocidental, iniciando a abertura para a penetração de capital estrangeiro.

Gomulka usou o velho sentimento nacionalista, arraigado entre os poloneses contra a Rússia Czarista (justa repulsa à opressão que sofreram), para indispor os trabalhadores contra a URSS e, na verdade, contra o socialismo. Passou a pregar uma "verdadeira independência da Polônia". E a dizer que a nova orientação econômica era uma “via nacional, específica da Polônia", para o socialismo.

1957: Junto com o nacionalismo, Vladyslaw Gomulka explorou as calúnias formuladas por Krusshev contra Stslin, no XX Congresso do PCUS, para ir mais longe do que os próprios dirigentes soviéticos pretendiam. Na Conferência dos partidos operários, em Moscou, declarou: "Não somos mais dependentes da URSS como na época de Stalin". O feiticeiro Kruschev não controlava mais o gênio que tirara da garrafa. Aliás, da cadeia.

O POUP perdia a perspectiva revolucionária e o seu caráter proletário. Trocava o internacionalismo pelo nacionalismo burguês. Passava a contrapor, artificialmente e de forma mesquinha, os interesses particulares da Polônia aos interesses gerais da classe operária em plano mundial.

1960 a 1966: As propriedades privadas cresceram 42%. Uma nova classe, de pequenos e médios empresários, ganhava força. Os kulaks, proprietários de terra, reconquistavam o terreno perdido.

1967, 1º de setembro: O órgão oficial do POUP, Tribuna Ludu, revelava a existência de 150 mil pequenas e médias empresas industriais privadas – 12 mil a mais que em 1966. E que o governo concedera créditos de 178 bilhões de zlotys (moeda polonesa) a estabelecimentos particulares – mais 40 milhões do que em 1966.

No campo, o jornal mostrou que restavam apenas 3% das terras coletivizadas. Oitenta e seis por cento eram propriedades individuais. Onze por cento do Estado.
Com a revolução, a burguesia fora derrotada. As grandes empresas capitalistas passaram para as mãos do Estado, dirigido pelo proletariado. Mas as raízes do capitalismo não haviam sido eliminadas. A revolução socialista estava no início apenas.

Lênin sublinhava que a pequena produção "engendra continuamente, dia e noite, hora a hora, o capitalismo e a burguesia, por um processo espontâneo e em massa". E advertia: "É mil vezes mais fácil vencer a grande burguesia centralizada que vencer milhões de pequenos patrões, os quais, por sua atividade cotidiana, habitual, invisível, inapreensível, dissolvente, realizam os mesmos resultados que são necessários à burguesia, que restauram a burguesia".

Assim, não basta chegar ao poder. A revolução implica em reordenar toda a sociedade sobre alicerces inteiramente novos. Do ponto de vista econômico, desenvolver a grande indústria moderna e, com base nela, reorganizar a agricultura. Mecanizar o trabalho agrícola, avançar na coletivização das explorações camponesas, elevar sua produtividade. Só assim pode-se livrar o país dos elementos capitalistas, no campo e na cidade.

A linha adotada por Gomulka, pelo contrário, abria caminho para o fortalecimento das bases do capitalismo, reaparecimento das crises, agravamento das desigualdades e dos conflitos de classes. As pequenas propriedades multiplicaram-se como trincheiras da burguesia. Mesmo a penetração do capital estrangeiro no país tomou corpo preferencialmente através de empresas de pequeno porte.

1970: Levante operário. Greves paralisaram o país. O governo reagiu com violenta repressão: 56 trabalhadores mortos nos confrontos com a polícia. Mas o POUP foi obrigado a manobrar e retirar de cena o velho traidor Gomulka. Em seu lugar colocou Edward Gierek.

A via capitalista, no entanto, prosseguiu. Gierek abriu ainda mais as portas para o capital estrangeiro através de empresas mistas, reservando ao Estado metade das ações. Em 1976 os investidores estrangeiros obtiveram permissão para controlar até 100% de empresas pequenas e médias.
Os interesses da nova burguesia no poder entrelaçavam-se com os das multinacionais e dos sócios soviéticos, que também entraram no negócio das empresas mistas. Ao mesmo tempo, crescia a burguesia de tipo tradicional, proprietária das novas empresas particulares, em boa parte associada com grupos europeus ocidentais e americanos.

1970 a 1975: Camponeses arruinados pela concorrência foram obrigados a vender 385 mil hectares de terras. Acelerava-se a diferenciação de classes no campo. A burguesia rural cresceu rapidamente – os kulaks assenhoreavam-se de grandes extensões territoriais. Os pobres retornavam em massa à condição de assalariados.
A Igreja polonesa, tradicionalmente ligada ao latifúndio e reacionária, detinha então 200 mil hectares de terra. Área superior a toda a superfície ainda nas mãos das cooperativas.

1980, agosto: Greve em 21 grandes empresas em todo o país e de 50 mil trabalhadores do porto e dos estaleiros de Gdansk. O estopim foi a alta dos preços da carne.
31 de agosto: Legalizado o "Sindicato" Solidarnosc. Na verdade um partido político, anti-socialista, representando os interesses da Igreja, dos kulaks e da nova burguesia associada ao capital ocidental. Seu dirigente, Lech Walesa, recebeu 300 mil dólares de "contribuição", diretamente do presidente da AFL-CIO, Lame Kirkland. O imperialismo nem disfarçava sua intromissão.
Edward Gierek foi derrubado pelo movimento grevista. Cedeu o posto para Stanislaw Kania. E o Congresso do POUP, no ano seguinte, expulsou Gierek do partido, visando a amainar as tormentas da luta de classes.
Detalhe deste Congresso: 30% dos delegado eram ligados ao Solidarnosc, assim como 20% do Comitê Central eleito.

1981: A Polônia, país tradicionalmente exportador de alimentos, passa a importar 10 milhões de toneladas de cereais. Oitenta e dois por cento da produção interna já era oriunda das propriedades particulares.
A dívida externa chegava a 25 bilhões de dólares. O Produto Nacional Bruto em 1981 foi 14% inferior ao do ano anterior. Vinte por cento da indústria pesada já eram fabricados sob licença ocidental, isto é, com tecnologia estrangeira. A produção de carvão ficou 14 milhões de toneladas abaixo do previsto. O déficit de carne foi de 230 mil toneladas e o seu preço subiu 60%.
Ao mesmo tempo em que se desenvolvia este quadro dramático, vinha à tona a boa vida de altos funcionários, com mansões de até 40 cômodos. Acumulava-se pobreza, de um lado, e riqueza, de outro.

5 de agosto: Greve de advertência contra o racionamento da carne e falta de outros gêneros. Quinhentos mil trabalhadores lutam na capital e 800 mil mineiros na Silésia.
O abandono do caminho socialista provocava o empobrecimento dos trabalhadores e dificuldades cada vez maiores no terreno econômico. Só a nova oligarquia encastelada no poder obtinha vantagens.
Os trabalhadores, apartados dos meios de produção, escravos assalariados outra vez, não sentiam mais estímulo pelo trabalho. Nas produções camponesas, usam até a exaustão as velhas máquinas. Só o Estado socialista, visando a transformações no sistema de produção e ao aumento da produtividade, tem capacidade para grandes investimentos, modernização e renovação acelerada dos equipamentos.
Os diretores das empresas tornaram-se novos patrões. Protegidos pelo aparato estatal, descuidam da racionalização da produção e do avanço tecnológico. Estabelecem uma rede de compadrismo com os figurões do governo e do partido para obterem privilégios.
Disso resulta esbanjamento de recursos, falta de estímulo para pesquisa e, logicamente, desenvolvimento retardado.

13 de dezembro, 1981: Golpe militar leva ao poder o general Jaruzelski, à frente de um Conselho Militar de Salvação Nacional.
Os banqueiros internacionais livram o novo governo da bancarrota. Mas aproveitam para obter lucros fabulosos. A revista inglesa The Economist mostrou que a parcela da dívida externa que deveria ser paga neste ano havia sido renegociada, com cláusulas especiais que, ao final, elevaram os juros para taxas absurdas, em torno de 20%.

1982: Novo surto grevista. Em 31 de agosto três manifestantes mortos pela polícia. Em outubro mais greves. Militarização das indústrias. Introduzida a pena de morte para grevistas.

1985: A Polônia foi aceita no FMI. Recebe missões especiais para monitorar a economia – como as equipes chefiadas por Ana Maria Juhl, no Brasil, durante a ditadura militar.

1987, outubro: Pacote econômico prevê incentivos à iniciativa privada, corte dos subsídios e aumento de preços, demissão de aproximadamente 3 mil funcionários, maior autonomia dos gerentes de empresas, maior relacionamento com o FMI.
A dívida externa – com o ocidente e com a URSS – já saltara para US$36 bilhões. Setenta e cinco por cento das exportações eram voltados para pagar juros e amortizações. Produtos de primeira necessidade eram desviados para exportação, provocando racionamento e elevação dos preços para a população. Tarifas públicas e combustíveis cada vez mais caros. "Tudo pela dívida", como os brasileiros conhecem muito bem.

1988: O ano começa com manifestações em Gdansk, promovidas pelo Solidarnosc (ilegal desde o golpe de Jaruzelski), contra aumentos dos alimentos (40%), aluguéis (100%), gasolina (60%) e outros, de até 200%. Maio, nova onda grevista.
A luta contra a ditadura militar é conduzida de forma a colocar a população cada vez mais contra o suposto socialismo do general Jaruzelski. Nem o imperialismo nem o seu marionete polonês, Lech Walesa, têm interesse em esclarecer os trabalhadores sobre o processo de restauração do regime burguês.
Bonislaw Geremek, dirigente do Solidarnosc, sugere que a URSS intervenha em seu país para implantar a "perestroika"!

1989, 30 de maio: A milionária norte-americana, de origem polonesa, Barbara Piasecka, assina acordo para investir US$ 100 milhões numa empresa mista, para "salvar" os estaleiros Lênin, em Gdansk. O governo elimina restrições para transferências de lucros em dólares ou outras moedas para o exterior e reduz o confisco cambial.

4 de junho: Eleições para o Parlamento. O Solidarnosc, novamente legal, desde o início do ano, ganha todas as cadeiras de deputados (35%) colocadas em disputa. E 99 das 100 vagas de senadores. Para os 65% das cadeiras restantes, reservadas para os candidatos do POUP unicamente, sem disputa, nenhum deles conseguiu o quorum necessário.
Os partidos Camponeses e Democrático, até então alinhados com o POUP, passam para o campo do Solidarnosc. Formou-se uma nova maioria parlamentar com 261 votos dos 460 representantes no Parlamento.

9 de julho: O presidente Bush, dos Estados Unidos, chega a Varsóvia para uma visita. Anuncia que vai pedir ao Congresso americano uma "ajuda" de 115 milhões de dólares à Polônia. Anteriormente, em

10 de junho, já havia solicitado que o Banco Mundial liberasse US$ 325 milhões de empréstimos. E seu governo adiou por 5 anos o pagamento de US$ 1 bilhão da dívida, vencido este ano (imaginem as condições).
Em homenagem ao visitante, deputados do POUP e do Solidarnosc se confraternizaram num banquete na casa do embaixador americano. E, sob as bençãos de Bush, Janusz Onyskiewicz, sindicalista que no ano passado estava preso, e agora é deputado pelo Solidarnosc, foi surpreendido com um brinde do próprio general Jaruzelski.

11 de julho: Bush foi almoçar na casa de Lech Walesa. Depois o líder sindical foi apresentar o presidente americano a 25 mil trabalhadores reunidos no estaleiro Lênin.
Walesa revelou que a reivindicação dos poloneses era a entrada de 10 bilhões de dólares do Ocidente nos próximos três anos.

19 de julho: Acordo entre o POUP e o Solidarnosc, no Parlamento, permite a reeleição do general Jaruzelski para presidente, com apenas um voto a mais do que o necessário.

12 de Setembro: o Parlamento aprova o novo ministério, formado pelo Solidarnosc (12 pastas), chefiado por Tadeusz Mazowiecki, por 405 dos 415 votantes. O POUP, inteiramente desmoralizado, fica com 4 ministérios, entre eles os do interior e da defesa, para assegurar a manutenção da Polônia no Pacto de Varsóvia. Apenas um dos ministros do Solidarnosc não é ligado à Igreja, Jacek Kuron, do Trabalho, expulso do POUP em 1965. O primeiro-ministro, Tadeusz Mazowiecki, é amigo pessoal do Papa Paulo II, e o ministro da Relações Exteriores, Krzysztof Skuszewski, era assessor do Cardeal-Primaz Josef Glemp.
Os ministros da área econômica dizem que vão transformar "a qualquer custo" o sistema do país. Dão um prazo de seis meses para o desmantelamento (do que resta) da economia de planejamento centralizado. Anunciam suas metas: privatização das empresas, fim do controle dos preços, reforma da política fiscal e monetária, controle dos subsídios. Tudo segundo as regras clássicas do FMI.
Em Washington, expondo o plano perante os ministros das Finanças dos chamados "Sete Grandes" países industrializados, Leszek Balcerowicz, ministro das Finanças polonês, advertiu: "o processo pode tornar-se tenso e apreensivo, em vista das inevitáveis privações". Isto é, diante do fechamento de empresas, do desemprego e do arrocho salarial, inerentes à reforma.

A burguesia imperialista corre para aprofundar as mudanças e aproveitar as chances de novos investimentos altamente compensadores. Os grupos monopolistas tratam de usar e abusar da mão-de-obra polonesa, barata mas altamente qualificada.

A revista The Economist publica um verdadeiro receituário para os empresários interessados na Polônia (reproduzido no Brasil pela Gazeta Mercantil). Bancos, pequenas indústrias alimentícias, equipamentos agrícolas para os pequenos produtores, transporte, linhas telefônicas privadas, construção civil, turismo, são algumas das recomendações. Diz que o objetivo é "reconstituir a infra-estrutura capitalista da Polônia com a maior rapidez possível".

Não se trata propriamente de "reconstituir" o capitalismo, uma vez que a economia polonesa já funciona neste sistema. O que resta é liquidar alguns resquícios do período de construção socialista, em particular a interferência estatal na produção e na distribuição das mercadorias. Ou seja, adequar melhor a forma de funcionamento da economia ao conteúdo capitalista, já restaurado.

A ofensiva é para incentivar a "iniciativa privada" propriamente dita, apoderar-se das empresas até agora nas mãos do Estado, e adaptar o próprio aparato estatal à nova realidade. Paralelamente, avançar na luta para afastar a Polônia do campo soviético, sem romper o equilíbrio entre as duas superpotências, EUA e URSS.

14 de setembro: O Parlamento Europeu, com rara unanimidade, aprovou oito resoluções de ajuda à Polônia. Entre elas uma espécie de novo "Plano Marshall" proposto pelo ex-presidente francês, Giscard D'Estaing, para “salvar" a economia da Polônia. Criado um "Fundo de Modernização" para financiar investimentos e privatização.

26 de setembro: A Comunidade Econômica Européia (CEE) propôs urna ajuda de US$ 324 milhões à Polônia e à Hungria e manifestou-se a favor de empréstimos (subsidiados) do Banco Europeu de Investimentos a estes países. Propôs também destinar a estes países, US$ 216 milhões do orçamento da CEE em 1990.

Os governos ocidentais já prometeram US$ 230 milhões em ajuda alimentar. E outros 100 em ajude não alimentar.
O governo polonês enviou memorando pedindo ao Ocidente 900 mil toneladas de cereais e 60 milhões de toneladas de carne e alguns remédios para os próximos três meses. Quer ainda US$ 800 milhões de financiamento para máquinas agrícolas e alimentos.
"A ajuda para os reformadores poloneses não é apenas uma questão econômica, pois determina também o sucesso das mudanças políticas importantes para a Europa corno um todo". Diz o memorando.
Ao lado deste avanço voraz, o imperialismo desenvolve em plano mundial uma furiosa investida ideológica contra o socialismo. Tenta jogar sobre o sistema socialista a responsabilidade pelo fracasso da economia – não só da Polônia mas de Hungria, Alemanha Oriental e demais países do Leste Europeu.

O POUP e os demais partidos revisionistas do Leste marcham para urna nova etapa. Até aqui diziam-se socialistas. Chamavam as orientações burguesas que adotaram de "marxismo criador". Negavam categoricamente que estavam restabelecendo as relações capitalistas. Agora renegam ostensivamente a revolução e confessam sua adesão às concepções social-democratas. E ainda acrescentam "de tipo ocidental".

O fato é que chegou ao fim a transição de volta do socialismo ao capitalismo. A burguesia já não precisa de intermediários, de fachada socialista. Os partidos que cumpriram esta missão vão para a lata do lixo. Assumem o poder organizações que pregam abertamente a economia de mercado, capitalista. Por ironia, se Gomulka estivesse vivo, talvez fosse de novo para a cadeia – agora por ser pouco capitalista!

Os velhos partidos social-democratas, para manter uma tintura cor-de-rosa, falavam em manter setores básicos nas mãos do Estado. Agora mesmo isto acabou, a palavra-de-ordem é privatização total.
Os ideólogos da reviravolta no Leste inventam os mais fantásticos argumentos para explicar como a economia de "livre mercado" seria um avanço em relação à planificação econômica.
Os processos de troca no capitalismo realizam-se de forma anárquica. Como uma força cega, agem sobre a produção jogando o trabalhador de um lado para outro, alienado do processo. A planificação tornou-se possível pelo desenvolvimento da sociedade e pela tomada do poder pelos produtores de bens materiais. A produção, no socialismo, é orientada de acordo com a consciência dos homens, para satisfazer suas necessidades. A planificação é uma etapa superior à economia de "livre mercado". O socialismo é o primeiro sistema social da história onde os homens dirigem a produção de modo consciente, apoiados em formulações teóricas científicas. É um desrespeito à inteligência defender as "vantagens" do retrocesso à regulagem espontânea da economia pelo jogo da oferta e da procura.
O próprio capitalismo, apesar das barreiras intransponíveis impostas pela propriedade privada, faz imensos esforços para planejar a economia e evitar as consequências desastrosas das crises.
O Solidarnosc, que manipulou as reivindicações dos trabalhadores, precisa controlar a agitação popular: Walesa pediu uma "trégua de seis meses ou até um ano" para que o governo inicie as "mudanças necessárias". E fala que o primeiro-ministro pode ser forçado a adotar "medidas impopulares". Fez um apelo para "acabar com as reivindicações salariais exageradas e voltar aos valores do trabalho duro". Chegou a declarar, recentemente, que "os problemas econômicos não se resolvem com manifestações de rua".

6 de novembro: A direção do POUP confessa seu fracasso. Diz: "o socialismo aplicado até agora faliu", reconhece que "o tempo do POUP está superado, as fontes de sua força estão esgotadas, assim como as possibilidades de recuperar a confiança da sociedade". Defende "um autêntico sistema parlamentar". Abandona, assim, a linguagem pseudo-socialista e passa a imitar a demagogia do Solidarnosc.

O proletariado não pode esperar nada desta aliança da camada burguesa encastelada há 30 anos no aparato estatal (em boa parte comprometida com a URSS) com a Igreja e a nova burguesia que se desenvolveu apoiada no ressurgimento das empresas privadas (em geral associada ao capital ocidental). É um pacto anti-operário, reacionário.

Por outro lado, existe uma disputa acirrada destes dois blocos entre si, pelo controle do poder. Com vantagem neste momento, para o Solidarnosc, que capitaliza a seu favor a revolta operária e popular.

1º de janeiro de 1990: Devido à política de "verdade dos preços", carne, legumes e frutas subiram 200% em duas semanas. Energia elétrica, gás, calefação e água quente subiram 600%.
O ministro das Finanças prevê um desemprego de 890 mil pessoas neste ano. Geromek, líder do Solidarnosc no parlamento, fala em 3 milhões de desempregados. O vendaval deve atingir muita gente, pois os planos de "reestruturação" abrangem empresas tidas como não rentáveis que empregam cerca de 5 milhões de trabalhadores.

Até o início deste ano já foram autorizadas 290 empresas mistas com capitais estrangeiros. Uma empresa especializada assessora os investidores estrangeiros interessados em se estabelecer no país.

8 de fevereiro: O ex-ministro brasileiro, Bresser Pereira, imaginem, em artigo no jornal Folha de S.Paulo, critica as orientações "neoliberais" do governo polonês. Ele diz que as medidas do ministro Balcerowica seguem "um típico plano ortodoxo, aprovado pelo FMI". E que "o pós-comunismo será cheio de dificuldades. Dificuldades que poderão ser potencializadas se se tentar usar na Polônia medidas neoliberais que, se não dão certo em países capitalistas, serão desastrosas em um país que ao mesmo tempo em que busca a estabilização deve construir um mercado".

A tragédia neste processo de traição ao socialismo é ainda maior pelo fato de a própria classe operária, sem contar com um partido revolucionário, ter servido de massa de manobra, ludibriada e arrastada pelo Solidarnosc. Os líderes dessa organização mostraram grande habilidade em explorar o arrocho salarial e a escassez de gêneros para derrotar o governo de Jaruzelski. Empunharam a bandeira do ódio nacional contra os russos usando-a para combater o socialismo. A necessidade de botar abaixo o regime apodrecido do POUP foi capitalizada por forças anti-socialistas. Desta forma, a classe operária é utilizada contra seus próprios interesses.

Os acontecimentos na Polônia demonstram mais uma vez que a mobilização espontânea da classe operária não conduz à consciência socialista.
Walesa percebe, entretanto, que, numa situação de crise tão aguda, a máscara pode cair. Teme que o proletariado tome consciência e se organize num nível mais elevado. Daí os apelos tão descarados do Solidarnosc para que os "amigos" ocidentais ajudem a equilibrar a economia nacional. E os pedidos de trégua aos trabalhadores.

29 de maio de 1990: Ferroviários em greve contra o arrocho salarial – fruto da nova política econômica – são tachados de "bandidos" por Lech Walesa. O presidente do Solidarnosc considera que os trabalhadores estão utilizando reivindicações econômicas com finalidades políticas (!).

O proletariado polonês atravessa um período de enormes dificuldades. Em consequência das derrotas sofridas na década de 1950, em plano mundial, o partido comunista foi destroçado e as conquistas iniciais do socialismo liquidadas. Reconstruir o partido, reatar as ligações com as massas operárias, explicar-lhes o caráter das mudanças em curso, reencontrar o caminho da revolução, exigem enorme tenacidade e ardor revolucionário.

EDIÇÃO 18, JUN/JUL/AGO, 1990, PÁGINAS 22, 23, 24, 25, 26, 27