Decidindo-se pelo alinhamento às forças mais conservadoras – monopólios estrangeiros e nacionais a ele associados – Itamar Franco entrega a coordenação de seu governo ao tucano Fernando Henrique Cardoso. Este pede ao público que esqueça o que já escreveu ao longo de sua vida acadêmica e política e elabora a mais moderna teoria sociológica: os simples reajustes, da inflação passada, são os responsáveis pela inflação ascendente e pela recessão. Nem uma palavra sobre os juros das dívidas, externa e interna, e nada sobre a verdadeira liquidação do patrimônio nacional realizada sob o título de privatização.

A incapacidade do governo Itamar Franco/Fernando Henrique para apresentar perspectivas até para a mera retomada do crescimento econômico é expressão de uma incapacidade maior: as classes dominantes brasileiras perderam a possibilidade de liderar qualquer projeto que busque o desenvolvimento soberano do país. Esta falência das oligarquias nacionais atualiza a necessidade de uma saída socialista para a crise brasileira. Outras classes, que não as dominantes, são chamadas à linha de frente da cena política.

Os resultados do censo do IBGE, analisados nesta edição em artigo de Marcos Gomes, nos ajudaram a entender o impasse vivido pela sociedade brasileira. A expressão Década Perdida diz bem o esgotamento do modelo econômico. Não se trata de crise episódica ou conjuntural. São dez anos que atravessam variadas conjunturas políticas, do período final da ditadura militar, passando pela Nova República aos governos Sarney e Collor de Mello. Dez anos de crescimento do desemprego, da concentração de rendas, das dívidas externa e interna, das desigualdades sociais, da inflação, ao lado da redução dos índices de crescimento econômico. O impasse, portanto, decorre não tanto de determinados sistemas políticos, mas principalmente do esgotamento dos projetos das classes dominantes. A sua superação depende então não da mudança dos políticos à frente do Planalto, mas de uma nova alternativa, um novo projeto, democrático, popular e socialista.

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Princípios, também nesta edição, resgata memórias da experiência de luta do nosso povo, homenageando a poeta gaúcha e comunista Lila Ripoll e analisando, em artigo de Clóvis Moura, a guerra travada, há cem anos, pelos camponeses do sertão de Canudos.

EDIÇÃO 30, AGO/SET/OUT, 1993, PÁGINAS 3