O livro em tela é de especial interesse para públicos distintos, mas não excludentes; aqueles interessados em história da ciência encontrarão um formidável sumário de um dos capítulos da moderna ciência, enquanto os socialistas interessados no exame crítico da experiência soviética encontrarão farto material para reflexão; não só dados brutos, mas também penetrantes análises e conjecturas. O autor credencia a obra por tratar-se de um renomado especialista em história da ciência soviética, tendo já publicado diversos livros e artigos sobre o tema, e pela atitude de respeito face à experiência de luta do povo soviético. O livro compreende nove capítulos, cobrindo desde a constituição da ciência russa aos dilemas atuais decorrentes da extinção da União Soviética, além de dois apêndices com informações especializadas sobre o desempenho da ciência soviética em disciplinas específicas. Mais de dois terços da obra é dedicado ao período soviético, mas o autor restringe-se às ciências da natureza, matemática e ciências do comportamento, deixando de fora, por exemplo, toda a gama das ciências sociais.

Graham sustenta que a história da ciência soviética não se reduz a uma análise simplista, ou linear, comportando, ao contrário, aspectos de grande pujança com fraquezas notáveis. Entre os aspectos que se destacaram, nós encontramos a matemática e a física teórica, especialmente entre a década de 1930 e a de 1950, no campo da pesquisa pura; e a pesquisa espacial e desenvolvimento de armas atômicas, na área da pesquisa aplicada. Entre os pontos mais fracos destacam-se a biotecnologia e a informática e, de modo geral, a transferência das inovações científicas para a produção industrial. Ao analisar a relação entre ciência e filosofia, o autor realiza importante distinção entre o que denominou a fase autêntica do papel do materialismo dialético e a calcificação do marxismo soviético onde o episódio mais destacado é o Caso Lysenko. Para evidenciar o que denominou de fase autêntica ele tomou casos concretos de produções científicas de reconhecimento internacional onde o apoio consciente no marxismo foi um fator impulsionador, analisando a obra de Vygotsky, na psicologia, de Fock, na interpretação da física quântica, de Oparin, nas idéias sobre a origem da vida, e de Kolmogorov, nos fundamentos da matemática. O autor argumenta também que este papel cognitivo do marxismo é pouco conhecido e compreendido, e até deformado, mesmo em círculos científicos ocidentais; e que sem o reconhecimento do papel do marxismo não se pode compreender a obra destes cientistas.

Já a análise do Caso Lysenko, como ponto alto das debilidades da ciência soviética, evidencia que não se tratou de uma controvérsia científica, tão normal e necessária ao desenvolvimento da ciência, na qual uma das partes – Lysenko – apoiou-se em uma filosofia, no caso o materialismo dialético. Foi o conjunto de práticas sociais e políticas vigentes na sociedade soviética que permitiu a este último apoiar-se no partido, em Stalin em particular, e no Estado soviético para a exclusão da genética, e de boa parte dos geneticistas, da vida soviética do pós-Segunda Guerra. Graham argumenta a favor da responsabilidade pessoal de Stalin pelo aval a Lysenko (outros membros do CC do PCURSS a isto se opunham), mas fica claro que não se tratou de um problema pessoal, afinal Lysenko só foi desautorizado, e a genética reabilitada, em 1965, após a queda de Kruschev.

Graham alinha ainda os fatores que contribuíram para o impulso e o desenvolvimento da ciência soviética, bem como aqueles que dificultaram ou mesmo bloquearam seu desenvolvimento. Para comparar o desenvolvimento da ciência na URSS com outros países, o autor parte do fato de que a ciência foi um produto cultural russo tardio em relação aos países da Europa ocidental, só desenvolvendo-se a artir do século XVIII devido às iniciativas do czar Pedro, o Grande. Apesar de tardia, e do seu restrito alcance social, pois a educação era um privilégio da elite, a ciência russa obteve grandes êxitos, bem expressos nas figuras de Lomonossov, Mendeleev e Lobatchevski, de modo que a revolução socialista de outubro encontrou uma atividade científica em pequena escala, mas de nível comparável aos dos países mais desenvolvidos cientificamente.
Partindo desta premissa Graham identifica entre os fatores que contribuíram para a pujança da ciência soviética o forte apoio, político e material dos sucessivos governos bolcheviques; apoio que se expressou, por exemplo, na atitude de Lênin e dos bolcheviques, a partir de outubro de 1917, preservando a antiga Academia de Ciências da Rússia (à diferença dos revolucionários franceses de 1789 que fecharam a Academia de Ciências de Paris); mas também, a partir da década de 1920, na educação de boa qualidade em larga escala, e na criação de uma rede de instituições, voltadas exclusivamente para a pesquisa científica e tecnológica; além da capacidade do Estado soviético em priorizar certos projetos – especialmente na pesquisa espacial e na construção de armamentos.

Entre os fatores adversos o autor destaca as sucessivas ondas repressivas ao longo da década de 1930 que atingiram, entre outros setores sociais, camadas da intelectualidade, causando prejuízos irreparáveis à pesquisa, chegando em alguns casos como dos astrônomos, a atingir 20% do corpo de pesquisadores. As insuficiências na transferência dos resultados da pesquisa científica e tecnológica para a indústria têm origens múltiplas, na visão de Graham: a completa centralização da rede de instituições de pesquisas levou à certa altura do seu desenvolvimento a uma burocratização onde os diretores dos institutos, já pouco produtivos, não abriam espaço para os jovens pesquisadores emergentes; o autor exemplifica com a pesquisa em informática, mesmo nos países capitalistas, onde pequenas unidades de pesquisa e desenvolvimento foram mais eficientes que grandes instituições para o desenvolvimento de software.

Também o distanciamento, inclusive geográfico, entre indústrias e centros de pesquisa e a completa estatização da economia estão entre os fatores que dificultaram a inovação tecnológica na indústria soviética. Na análise multilateral realizada pelo autor, notamos a ausência, entre os fatores impulsionadores da motivação que decorria, da convicção de que se construía uma grande nação socialista, esta motivação só declinou dos anos 1970 em diante, como atestam vários relatos biográficos.
Como vemos trata-se de leitura mais que motivante, que bem merecia uma tradução para o português.
*Olival Freire Jr.