Quando saiu na França, no final do ano passado, o livro Sobre televisão, de Pierre Bourdieu, causou várias polêmicas. Quase todas as críticas foram negativas. Agora, lançado no Brasil, o efeito não foi diferente. Pessoas de televisão, ofendidas, saíram em defesa do meio de comunicação, e críticos de televisão não sabiam se aplaudiam ou atacavam o livro. Só por isso vale a pena lê-lo. É um texto pequeno, 143 páginas, na verdade duas aulas dadas em um curso do Collége de France, e transmitidas pela televisão francesa. Uma verdadeira audácia, críticas à televisão dentro da própria televisão!

Pierre Bourdieu, um intelectual de renome, critica os programas jornalísticos, os talk shows, e os programas de debates que acabam pasteurizando todos os assuntos, transformando-os em espetáculos banais. São os programas de variedades, de fofocas, sensacionalistas, que interessam a todo mundo, mas não alteram a vida de ninguém, alienam do ponto de vista emocional, deixando de transmitir os fatos que realmente interessariam a todos. Com seu raciocínio, Bourdieu checa a ideologia e a censura que estão por trás das imagens e das palavras escritas. Em sua tentativa de se diferenciarem, os canais de televisão acabam ficando cada vez mais parecidos, nivelados pela superficialidade. A tão decantada concorrência não produz criatividade. Pelo contrário, gera a banalização:

"(…) para ser o primeiro a ver e a fazer alguma coisa, está-se disposto a quase tudo, e como se copia mutuamente visando a deixar os outros para trás, a fazer antes dos outros, acaba-se por fazerem a mesma coisa, e a busca da exclusividade, que, em outros campos produz a originalidade e a singularidade, resulta aqui na uniformização e na banalização".

Em suas divagações, Pierre Bourdieu acaba muitas vezes culpando a falta de cultura dos jornalistas que se espantam com fatos altamente previsíveis. A falta de cultura aliada à necessidade de audiência que atrai os anunciantes, também seriam responsáveis por convidados não muito ilustres e muitas vezes medíocres em suas áreas, mas facilmente manipuláveis pelos jornalistas e que acabam por produzir personagens que, legitimados pela telinha, se tornam autoridade de determinado assunto. Ou seja, a televisão – que deferia ser registro dos acontecimentos – passa a ser criadora de realidade.

Mas que realidade é essa? É sobre isso que Pierre Bourdieu discorre em seu texto, desmontando os mecanismos de censura que estão por trás das imagens e das palavras veiculadas pela televisão.

Em suas divagações, Bourdieu acaba por questionar o papel do jornalista como um todo. Sem dúvida, é um texto provocativo, mas que vale a pena ser lido, nem que seja para você se sentir ofendido. Bourdieu terá atingido o seu alvo, que é o de repensar o papel da imprensa que cada vez mais se torna uma imprensa espetáculo.