As estatísticas e porcentagens sobre o nível de desemprego no Brasil são controversas. O IBGE o calculou em 5,95% em janeiro de 1997, na região metropolitana de São Paulo. Já o Dieese estimou que 13,9% da População Economicamente Ativa (PEA) da Grande São Paulo estava desempregada no mesmo período.

Mesma região, mesmo período, resultados diferentes. Acontece que os dois institutos utilizam métodos distintos para suas pesquisas, o que pode mascarar o número de desempregados e sub-empregados do País. Enquanto o Dieese leva em conta os trabalhadores que estão procurando emprego nos trinta dias que antecedem o levantamento, O IBGE considera apenas os últimos sete dias antes da pesquisa. No entanto, nada se compara aos 22% de desempregados espanhóis, pode lembrar algum otimista compulsivo. O fato é que o problema do desemprego é real e não pode ser resumido à fria lógica dos números, enquanto milhões de pessoas desesperam-se com a hipótese de serem mandados para o olho da rua.

A falta de empregos tira o sono dos governantes de praticamente todos os países do mundo, que se vêem às voltas com as conseqüências da reestruturação produtiva, dos novos modos de gerenciamento das empresas e do desenvolvimento tecnológico, que acabam com milhões de empregos do dia para a noite.

Além disso, a globalização da economia, que faz com que multinacionais mudem suas linhas de produção para outros países com matéria-prima e mão-de-obra mais em conta, fechando fábricas e demitindo milhares de empregados, é aceita como mais uma vilã do desemprego em massa, contra a qual não podemos fazer nada.

Só para ter uma dimensão do problema, de 1990 a 1996, o Brasil perdeu 2,5 milhões de postos de trabalho. No mesmo período a produtividade cresceu 45%. Isto quer dizer que um operário que fabricava cem produtos em 44 horas semanais de trabalho, hoje produz 145 nas mesmas 44 horas (Inácio Arruda e Paulo Paim – Folha de S. Paulo, 16-06-1997). Ou seja, consegue-se aumentar a produção mesmo cortando funcionários.

Então a falta de empregos seria um processo irreversível, inerente ao estágio de desenvolvimento que a humanidade vive? Por incrível que pareça, a resposta é sim. "Sejamos adultos e olhemos a realidade de frente: o trabalho acabou. Refiro-me ao trabalho de tempo integral, para sempre, para todos, segundo as formas que conhecemos durante o período industrial, de 1850 a 1975. Somente a partir desta tomada de consciência da realidade poderemos estabelecer nosso plano de batalha. A realidade é que o mundo mudou".

A afirmação, chocante à primeira vista, é do francês Guy Aznar, autor do livro Trabalhar menos para trabalharem todos, que trata da redução da jornada de trabalho. No entanto, em vez de desesperar-se, como se este fosse um processo sem solução, o autor nos oferece duas saídas: aceitar um modelo de sociedade dividido entre "os que trabalham e os que não trabalham" ou enfrentar o problema de frente e dividir o trabalho existente entre todos os cidadãos. A maneira de fazer isto? Reduzindo a jornada de modo que todos possam trabalhar.

No Brasil, governo FHC incentiva desemprego

Às alternativas colocadas por Guy Aznar, o presidente Fernando Henrique Cardoso certamente escolhe a primeira. Não é à toa que o nosso governante alardeou aos quatro cantos a inevitabilidade da existência de pessoas "inempregáveis", que não serão absorvidas pelo mundo globalizado. Para elas, não existem empregos e assim será para sempre. Tudo por causa da falta de educação e conhecimentos tecnológicos, diz FHC, quase colocando a culpa nos próprios trabalhadores por não
conseguirem empregos.

O que fazer diante disto? Resignar-se, afinal são as conseqüências inevitáveis da modernidade, da globalização. Temos que aceitá-las, se não quisermos continuar caipiras, nas palavras do presidente.
No entanto, ao mesmo tempo que lava as mãos no que diz respeito à políticas de geração de empregos, Fernando Henrique se esquece que o Plano Real é um dos grandes responsáveis pelo aumento desenfreado do desemprego no País.

"Existem outras causas de desemprego que nada têm a ver com a globalização. Suas motivações são mais 'tupiniquins', frutos amargos de políticas que o governo jura necessárias para manter o Real na rota traçada. Custo do dinheiro extraordinariamente elevado, câmbio que sacrifica as exportações, abertura das importações de forma exagerada e seguramente num espaço de tempo muito curto, reforma tributária que não vem, restrições ao crédito e ausência quase total de financiamentos de longo prazo são todos motivos que se entrelaçam e constrangem a atividade econômica. E levam as empresas a demitir".

A citação acima foi publicada na revista Notícias, editada pela Fiesp, e serve de escudo para os industriais justificarem as demissões em massa que fizeram desde a implantação do Plano Real. Serve também para os empresários exigirem rapidez na aprovação das reformas tributária, previdenciária e administrativa que, segundo eles, são necessárias para o desenvolvimento econômico e, consequentemente, a geração de novos empregos. Querem também a desregulamentação das leis trabalhistas, com a diminuição dos custos de contratação de mão-de-obra que, segundo eles, são muito altos e afetam a competitividade das empresas. Para tanto, defendem mudanças na CLT, menos para facilitar contratações do que para reduzir seus custos e aumentar seus lucros, já que fica difícil diminuir ainda mais os arrochados salários dos trabalhadores brasileiros.

Embora a perspectiva empresarial seja outra, completamente diferente da nossa, a constatação feita pela revista da Fiesp mostra que a política recessiva levada pelo governo de Fernando Henrique tem degringolado a indústria brasileira e jogado no olho da rua milhares de trabalhadores, que ficam sem qualquer alternativa de trabalho.

Sondagem feita pelo Departamento de Pesquisa da Fiesp/Ciesp na primeira metade de 1996 demonstrou que 46% das indústrias ouvidas pretendiam dispensar funcionários de seus quadros. De acordo com a pesquisa, 63% dos empresários alegaram motivos ligados à redução de custos, 48% aos processos de busca de maior produtividade, 33% atribuíram sua intenção ao temor de retração do mercado, 26% explicaram como resultado da terceirização e 20% deram como razão a automação da fábrica. Ou seja, a maioria dos empresários demitiriam seus empregados por razões diretamente ligadas à abertura das importações (que obrigaram a diminuição de custos e aumento da produtividade) e por medo da retração do mercado, ocasionado pelo fim da festa de consumo dos primeiros meses do Plano Real.

No entanto, de qualquer perspectiva que se olhe, fica claro que o governo Fernando Henrique não está, nem de longe, preocupado em criar alternativas de combate ao desemprego e nem dá sinais de que vai desviar seu governo do caminho neoliberal já traçado. Em resposta à situação caótica que vive o Brasil, FHC corta ainda mais as verbas dos setores sociais e torra nossas reservas no pagamento da dívida pública. Tudo em nome da estabilidade econômica.

Tendência histórica

É claro que uma proposta de redução da jornada de trabalho para gerar empregos é polêmica e mexe com vários interesses enraizados na sociedade capitalista. Mas o fato é que ela é uma tendência histórica. De acordo com estudo do Dieese, enquanto na segunda metade do século passado, época da Revolução Industrial, a média era de 3.750 horas trabalhadas por ano, em 1979 trabalhava-se 1.451 horas na Suécia e cerca de 1.719 horas anuais na Alemanha.

Esta média vem caindo paulatinamente, com jornadas cada vez menores em vários países. Alemanha, Espanha, França, Japão, Argentina, Brasil e Coréia são apenas alguns exemplos de países que reduziram sua jornada de trabalho de 1980 para cá. Talvez os Estados Unidos sejam o único exemplo significativo de país que aumentou a sua jornada de trabalho neste período, ainda assim apenas no setor industrial.

A Conferência Internacional do Trabalho, em 1919, recomendou a redução da jornada de 48 para 44 horas semanais. E a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomendava, já em 1935, que a jornada fosse reduzida para 40 horas. O Brasil, em pleno final do século 20, ainda mantém a jornada semanal de 44 horas, recém-conquistada na Constituição de 88.

Reduzir a jornada. Mas como?

A Volkswagen diminuiu, em 1994, a jornada de seus operários da fábrica de Wolfsburgo para 28,8 horas semanais, como alternativa à demissão de 30 mil dos 128 mil trabalhadores das 10 unidades da empresa na Alemanha. Os operários aceitaram diminuir seus salários em 15%, passando-os para 4.500 marcos (ou cerca de 3.000 reais).

Aliás, reduzir jornada com redução de salários ou direitos dos trabalhadores é uma proposta defendida por parte do sindicalismo brasileiro. A Força Sindical defende a redução para 30 horas, o que, segundo a Central, geraria 4.4 milhões de empregos. No entanto, nesta proposta vem embutida a redução de 10% nos salários dos trabalhadores e no lucro líquido das empresas e de 7.8% dos encargos sociais sobre a folha de pagamento. Além disso, haveria uma diminuição de 37.3% nos impostos pagos pelos empresários ao Estado. "Todas as partes envolvidas têm que abrir mão de algumas vantagens", defende o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Paulo Pereira da Silva (Folha de S. Paulo, 25-05-1997 – Tendências/Debates). No entanto, a Força apresentou ao ministro do Trabalho, Paulo Paiva, uma proposta alternativa de redução para 36 horas semanais, como fase intermediária para as 30 horas. A proposta da Força é apoiada por vários sindicatos patronais e seria negociada entre empresas e trabalhadores de cada categoria.

O governo federal já se pronunciou contra a idéia de renúncia fiscal – os cofres públicos perderiam 9.4 bilhões de reais com a isenção de impostos – mas se diz favorável à livre negociação entre empresários e trabalhadores para a redução da jornada. Para tanto, o governo está disposto a mudar a CLT para permitir a diminuição dos salários dos trabalhadores, o que hoje é proibido.

Mas o diretor técnico do Dieese, Sérgio Mendonça, levanta que a redução da jornada por empresa ou setor não adianta. "É essencial que se estabeleça a redução da jornada em lei. Para que haja impacto sobre a geração de empregos, a diminuição deve ser feita rapidamente e em massa".
Exemplos disso são as negociações feitas em fábricas da região do ABC. Algumas montadoras de São Bernardo baixaram a jornada semanal de 44 para 42 horas para manter os empregos de seus operários. Medidas paliativas como esta estão sendo tomadas, mas têm pouco impacto no que diz respeito à necessidade global de geração de empregos no País.

Entendemos que a jornada deve ser diminuída paulatinamente, até chegar às 30 horas ou até menos. No entanto, é inadmissível que haja diminuição dos salários dos trabalhadores. A proposta da Força traz embutida o pecado original de colocar em um mesmo nível empresários, que sempre se beneficiaram de benesses concedidas pelo Estado, lucros altíssimos e salários miseráveis pagos a seus empregados, e trabalhadores, que têm seus salários historicamente arrochados, utilizam serviços públicos sucateados e têm seus direitos sociais gravemente atacados. Além disso, a isenção fiscal significa que a "contribuição" dos empresários, de 10% dos seus lucros, seria reposta indiretamente na forma de desconto nos impostos que as empresas têm obrigação de pagar.

A Força Sindical diz que todos os níveis de governo (União, estados e municípios) perderiam 9,7 bilhões com a isenção de 37,3% dos impostos das empresas. A CUT contesta estes números, mostrando que só a renúncia fiscal dos impostos da União chegaria a 40,9 bilhões de reais por ano, cerca de 5% do PIB. De acordo com o Desep (Departamento de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos) da CUT, só a Previdência teria um rombo de 15,8 bilhões com a renúncia.

Além do mais, arrecadando menos impostos, o Estado consequentemente teria menos dinheiro para investir em saúde, educação, habitação e serviços públicos que são utilizados basicamente pela população de baixa renda. Os trabalhadores seriam duplamente atingidos: com a diminuição de seus salários e com a decadência dos serviços públicos que usufruem.

No entanto, mesmo com a isenção, vários empresários discordam da redução da jornada, como é o caso do diretor de Relações Trabalhistas da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Roberto Ferraiuolo, que participou como debatedor da audiência pública realizada pela Comissão de Relações do Trabalho da Assembléia Legislativa de São Paulo. Para ele, a redução da jornada acarretaria o aumento dos custos das empresas. "A flexibilização é mais importante que a redução da jornada, pois ajudaria a reduzir os custos das empresas porque os gastos com demissões são altos no Brasil", levanta Ferraiuolo. Em vez de demitir, quando a produção estivesse menor, os trabalhadores trabalhariam menos. Já em épocas de "pico", os empregados trabalhariam mais. Para o empresário, a redução da jornada só ajudaria a aumentar os custos.

No entanto, de acordo com os economistas Pedro Paulo Martoni Branco, da Fundação Seade, e Antônio Prado, do Dieese, o crescimento sustentado da produtividade nos últimos anos é suficiente para que a redução da jornada de trabalho não cause impacto sobre os custos das empresas brasileiras. A maior parte dos ganhos de produtividade, com as novas tecnologias e métodos gerenciais, está sendo incorporada pelas empresas como lucro.

40 horas semanais: uma proposta viável

Quando a jornada de trabalho baixou de 48 para 44 horas, na Constituição de 1988, vários argumentos contrários foram lançados. Da quebradeira geral das empresas à perspectiva de que nenhum emprego seria gerado, tudo foi levantado. No entanto a realidade mostrou que nada disto aconteceu. Postos de trabalho foram abertos e a redução contribuiu decisivamente para que os efeitos nocivos dos anos 80, a chamada década perdida, fossem compensados.

Hoje, a proposta que defendemos é a de redução da jornada para 40 horas semanais, sem redução de salários. Está em tramitação na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 231/1995), de autoria dos deputados federais Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Paulo Paim (PT-RS), que diminui a jornada de todos os trabalhadores brasileiros para 40 horas semanais e aumenta a remuneração das horas-extras de 50% para 75% a mais que as horas normais. Isto porque os empresários preferem pagar horas-extras a seus empregados do que arcar com os custos de contratação de novos trabalhadores.

Desde 1988, quando a jornada foi reduzida para 44 horas, o número de horas-extras aumentou substancialmente. Enquanto em 1988, 21,3% dos trabalhadores da indústria trabalharam mais que a jornada legal, em 1996 este percentual subiu para 41,4%. No comércio, onde os empregados sempre fizeram muitas horas-extras, o número passou de 43,4%, em 1988, para 55,1% no ano passado. De acordo com Antônio Prado, coordenador técnico do Dieese, cerca de 1,5 milhão de empregos deixaram de ser criados por causa das 265 milhões de horas-extras trabalhadas entre 1985 e 1996. "Coibir as horas-extras é tão importante quanto reduzir a jornada", analisa Prado. Desta forma, a redução da jornada de todos os trabalhadores para 40 horas e coibição das horas-extras poderiam gerar, imediatamente, 3,6 milhões de empregos no Brasil, segundo cálculos projetados pelo Dieese. A melhor forma de viabilizar esta proposta é fortalecendo a luta em torno da aprovação da PEC 231/1995 no Congresso Nacional. O presidente da Câmara dos Deputados autorizou a instalação da Comissão Especial para analisar a proposta de redução da jornada para 40 horas e em 40 sessões ela poderá ser votada em plenário, onde precisa de 308 votos, em dois turnos para ser aprovada. Outras iniciativas para combater o desemprego

Iniciativas isoladas não resolverão o problema do desemprego. É preciso que o assunto entre na ordem do dia de toda a sociedade para que as soluções sejam encontradas
e implementadas o mais rápido possível. No entanto, alternativas devem ser procuradas para minorar os efeitos do desemprego sobre a população.

Desta forma, apresentamos na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo três projetos de lei que vão ao encontro das necessidades concretas dos trabalhadores paulistas, sobretudo daqueles que se encontram desempregados:

1) O primeiro cria o passe-desemprego, que seria utilizado pelos trabalhadores desempregados nos trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e Metrô durante seis meses, a partir da data da dispensa. O benefício se estende a todos os trabalhadores que não dispuserem de qualquer remuneração assalariada e será distribuído mensalmente. Este projeto de lei visa a ajudar os trabalhadores desempregados a procurar um novo trabalho, facilitando sua inserção novamente no mercado.

2) O segundo projeto de lei de minha autoria prevê que o fornecimento de água e luz dos trabalhadores desempregados não seja suspenso durante até seis meses de atraso no pagamento. O benefício apenas será concedido aos trabalhadores que comprovarem não dispor de qualquer remuneração, bem como os demais moradores do imóvel. O pagamento deverá ser feito tão logo o trabalhador seja empregado. Caso o prazo de seis meses for cumprido, haverá prorrogação por mais três meses. Depois deste período, a dívida será parcelada, com isenção de multas por atraso, juros e correção monetária.

3) Nosso terceiro projeto cria a Universidade Livre do Trabalhador do Estado de São Paulo, com o objetivo de proporcionar um espaço para a reciclagem, com a realização de cursos de requalificação profissional, palestras, debates e outros eventos de interesse dos trabalhadores. Não é preciso enfatizar a deficiência do sistema educacional brasileiro, que não proporciona nenhuma alternativa para o ensino de adultos, ficando os trabalhadores sem qualquer espaço público e gratuito de aprendizado.

Se é verdade que iniciativas pontuais apenas ajudarão a combater as conseqüências nefastas do desemprego, também é fato que a sociedade deve se mobilizar em busca de soluções que combatam efetivamente as causas do desemprego, tanto o estrutural (causado pelo desenvolvimento tecnológico), quanto o conjuntural (causado pela política neoliberal imposta por Fernando Henrique ao País, com a abertura descontrolada das importações, juros altos e prioridade para o setor especulativo, em detrimento do produtivo).

O esforço deve ser conjunto e urgente. Sem uma mobilização nacional e um governo que coloque como prioridade nacional o combate ao desemprego, pouco pode ser feito. Cabe aos sindicalistas, parlamentares e personalidades progressistas, entidades populares e estudantis, colocar esta preocupação no topo de nossa pauta de reivindicações, encaminhando as lutas e propondo alternativas para garantir a milhões de brasileiros o direito ao trabalho.

Nivaldo Santana é deputado estadual pelo PCdoB/SP. Luciana Bento é jornalista.

EDIÇÃO 47, NOV/DEZ/JAN, 1997-1998, PÁGINAS 19, 20, 21, 22, 23