Na edição de outubro passado do Jornal Abra os olhos, dissemos que era uma vergonha que um governo dirigido pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, um suposto cientista, tivesse divulgado com estardalhaço uma projeção para o futuro da economia brasileira apoiada não na história do nosso desenvolvimento, mas numa aposta de que o rumo escolhido por ele era o acertado. Qualquer projeção que se preze tem como base a história. Mas a projeção do governo FHC ignorou que a economia brasileira, como toda economia capitalista, é cíclica, funciona com altos e baixos: supôs que o país cresceria sempre, por muitos e muitos anos. Desprezou também o fato histórico de que se trata de uma economia dependente: qualquer problema no pagamento das contas externas leva os governos que não querem romper com a dependência a frear o crescimento econômico. Para o governo, o Brasil cresceria segundo as metas oficiais, a 4,5% entre 1997 e 1999 e a um ritmo mais acelerado depois 6,4%, em média, entre 2000 e 2006. Em resumo, as projeções diziam: o primeiro mandato de FHC será bom e o segundo será maravilhoso.

Não passou um mês, no entanto, e o governo se encarregou de implodir suas próprias ilusões. No final de outubro, quando a crise financeira que assolava alguns países da Ásia atingiu a própria Bolsa de Nova York, o Banco Central brasileiro elevou brutalmente a taxa de juros e deu início a uma contenção geral das atividades econômicas. Em março de 1995, logo após a quebra do peso mexicano, Fernando Henrique comandara operação semelhante: os juros foram puxados de perto de 20% para mais de 40% reais ao ano e a economia também foi freada bruscamente. Os resultados dessa política são evidentes. O crescimento de 1996 e 1997 – 2,9% e cerca de 3%, respectivamente – foi bem menor que os 4,5% que o governo pôs no papel. A taxa de elevação do PIB para 1998, que o governo previa para 5%, está estimada para 2,1%, ou menos. E, com o pacote de outubro, se antevê mais uma etapa de quebradeira e desemprego. Um dos criadores do Plano Real, Edmar Bacha, acredita que o desemprego vai "explodir": mesmo o índice do IBGE, que contabiliza como emprego qualquer ocupação precária, pode chegar a 8%, diz Bacha, acima do recorde histórico, de 7,12% em 1984, no auge da crise desencadeada com a recessão na qual o governo militar mergulhou o país para iniciar o pagamento da dívida externa.

O governo disse, ao apresentar o Plano Real, que a estabilização monetária conseguida através dele beneficiaria especialmente os mais pobres, que não conseguiam proteger seus haveres monetários da inflação. Disse que a nova conjuntura internacional, de grande abundância de capitais, tornava as restrições externas ao financiamento da economia nacional um problema superado. Disse ainda que a estabilidade dos preços, combinada com o financiamento externo a juros baixos, contribuiria para reduzir a dívida interna, diminuir a carga de juros paga pelo Estado e ampliar os gastos sociais. E disse ainda que a economia deslancharia, deixando para trás a taxa de crescimento dos anos 1980. Foram quatro mentiras. A estabilização do Real favoreceu a camada mais rica, especialmente o grande capital; permitiu ao capital internacional aprofundar seu controle de amplos setores da economia brasileira; forçou a associação dos capitais locais remanescentes com os estrangeiros; dilapidou o patrimônio público e triplicou a dívida nacional. A instabilidade dos mercados financeiros internacionais manifestou-se duas vezes de forma violenta – com a crise do México e das bolsas da Ásia – e passou a condicionar todos os passos do governo. A taxa de juros em média se mantém muito alta e a carga de juros, que deve ser paga prioritariamente, comprimiu todos os outros gastos, tornou o investimento público estatal uma fração cada vez menor do orçamento. E, por último, e mais grave: a média do aumento da produção per capita brasileira na década de 1990 o período Collor-FHC – mantém-se, apesar das promessas oficiais, como a menor na história econômica do país, de 0,63%, menos que os 0,96% dos anos 1980, a "década perdida".

Essa política atinge especialmente os trabalhadores. A contenção do crescimento econômico, que leva ao desemprego, e o aumento da exploração através do arrocho salarial e do trabalho precário, são as formas da economia dependente para elevar o excedente exigido pelo grande capital financeiro. Mas diversas outras camadas sociais também são atingidas. Pequenos e médios empresários tornaram-se escravos de um sistema de apartheid financeiro: os grandes bancos e empresas que têm crédito a 10% ao ano no exterior lhes repassam dinheiro praticamente a essas mesmas taxas, só que ao mês. E, com isso, a base sobre a qual o governo Fernando Henrique Cardoso se ergueu vai se reduzindo. Para a próxima eleição presidencial, é possível que expressivas forças do PMDB, que hoje compõem a frente governista, se unam numa articulação oposicionista em tomo de um candidato próprio à presidência. A também forças do PMDB que podem apoiar uma candidatura de oposição encabeçada pela esquerda mas com uma plataforma mais ampla, que contemple diversos descontentamentos. Contribuir para construir essa plataforma é a tarefa central dos setores de oposição mais consequentes.

O centro desse programa, a nosso ver, é uma política oposta à do desemprego: uma política que reestruture o crescimento econômico do país, hoje contido e deformado pelo controle exercido pelo grande capital internacional, pelos gigantescos gastos do Estado com juros pagos aos grandes capitalistas e milionários e os privilégios à produção de bens de consumo duráveis. É preciso uma política que apóie a pequena e média empresa; que desenvolva empresas estatais estratégicas como a Petrobras, a Telebrás, a Embrapa; que estimule o desenvolvimento tecnológico do país pelo apoio às iniciativas nacionais, privadas e públicas, como os centros universitários de pesquisa; que desenvolva a indústria de base nacional, a agricultura voltada para o consumo interno, a industrialização do campo apoiada numa ampla reforma agrária. Evidentemente, uma política desse tipo despertará enorme resistência e não se sustentará por decretos do presidente da República ou do Banco Central. Só uma ampla campanha de mobilização, que parta dos interesses imediatos e mais sentidos das camadas mais numerosas da população, que eleve o nível de entendimento e organização dos trabalhadores e ganhe a simpatia das camadas intermediárias prejudicadas pela política do desemprego, poderá unir as forças necessárias para garantir a mudança.

A grande mentira

O presidente insiste em dizer o contrário, mas o desemprego cresce

"No Brasil, o desemprego não tem crescido", disse o presidente Fernando Henrique Cardoso à revista Veja (10-09-1997, p. 27). Essa afirmação não resiste à mais elementar verificação. Os critérios de medição do emprego têm nuances, mas por qualquer das medições dos principais institutos de pesquisa do país e do mundo, a reorganização da produção mundial após a crise do desenvolvimento capitalista do pós-guerra elevou o patamar do desemprego em todas as economias capitalistas – desenvolvidas e em desenvolvimento – e nas que abandonaram a via socialista. O Brasil não é uma exceção, como nos quer fazer crer o presidente. Embora varie de região para região, o desemprego cresceu muito com a abertura indiscriminada da economia brasileira para o exterior, inaugurada no governo Collor: desde 1990 o mercado de trabalho no país perdeu 2,44 milhões de empregos. A agricultura, 81.262. As 22 estatais federais privatizadas, por exemplo, desde 1991 fecharam 39,6 mil vagas, 33% de seus 121 mil empregos.

Uma sondagem realizada pela Fiesp em 1995, constatou que 45% dos 403 homens de negócios consultados esperavam aumentar a produtividade sem novas contratações, contra apenas 5% que intencionavam contratar. Uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria mostrou que a grande maioria dos investimentos (US$ 26,33 bilhões) planejados por 730 empresas para o período 1995-99 em todo o país, deverá resultar na redução do número de empregados na indústria: 62% das empresas afirmaram que será reduzido o número de empregados.

Tanto pelo índice do IBGE, quanto pelo índice não oficial do Dieese, o desemprego se elevou nos últimos anos. A economia dos robôs: devagar quase parando

Vivemos a era da nova revolução tecnológica. Muito bem. Por que, então, as grandes economias capitalistas crescem cada vez mais lentamente?

Se vivemos a era de grandes avanços científicos e tecnológicos, por que as economias capitalistas avançadas, que comandam esse processo, se desenvolvem em ritmo cada vez mais lento? O gráfico ao lado mostra a queda no ritmo de crescimento da produtividade do trabalho nos anos 1973-95 a menos da metade do que era no período 1950-73, em todas as sete principais economias do mundo capitalista. Ele é parte de um artigo na revista Scientific American. de julho de 1997 e foi feito a partir dos depoimentos de um punhado de grandes especialistas da indústria e das universidades americanas.

Sustenta a conclusão de que a queda no ritmo de crescimento da produtividade é maior nos ramos que mais investiram em tecnologia da informação – as indústrias do setor de serviços, nos Estados Unidos, especialmente. Nos EUA a maior parte do crescimento econômico recente se explica pelo aumento do emprego, do comércio e da capacidade de produção instalada. e não da produtividade diz a Scientific American. A notável exceção são as companhias de telecomunicações que extraíram 7% a mais de trabalho por hora de seus empregados a cada ano entre 1973 e 1983. A exceção ajudaria a explicar a regra: os computadores só teriam contribuído para elevar a produtividade em situações de trabalho muito simples. "As telecomunicações tinham muitas tarefas altamente rotineiras, que eram relativamente fáceis de automatizar", diz no artigo Tom Landauer, um cientista da Universidade do Colorado. Isso, diz ele, é típico. "O que temos de contribuição da tecnologia da informação está largamente confinado às funções de processamento das transações: processamento de ordens, trocas de ações, contratos financeiros de mercadorias e moedas, compensação de cheques". Nas atividades maiores, onde ocorre a maior parte das atividades econômicas – vendas, administração, trabalho profissional os ganhos de produtividade tem sido limitados e desapontadores.

Qual é, afinal, o problema com os computadores? O artigo apresenta quatro explicações:

1) Há um equívoco: a queda de produtividade é uma miragem criada por pesquisas ultrapassadas – na educação, nas finanças e outras indústrias que utilizam intensamente a
informática, a quantificação da produção é difícil. O artigo, porém, descarta essa explicação. Cita um economista que argumenta que o que está sendo mal quantificado está no lado oposto da equação: é o aumento do número de horas trabalhadas nos EUA. Telefones celulares, laptops e networks fazem com que o trabalhador especializado trabalhe durante mais tempo do que antes.

2) A segunda explicação argumenta que as indústrias americanas têm ainda apenas entre 2% a 5% de seus estoques de capital em hardware. A revista também não aposta nessa explicação. O hardware é parte pequena dos gastos com informática. Adicionando o custo dos programas, das telecomunicações e outros equipamentos, os gastos subiriam para 12%. Isso sem contar a assistência e manutenção do sistema.

3) A terceira explicação é a de que as mudanças a serem promovidas pela computação ainda exigirão muito tempo. Os motores elétricos só aumentaram a produtividade mais de 40 anos depois que Edison instalou o primeiro dínamo, em 1881.

4) A quarta explicação é a de que talvez o crescimento de produtividade dos anos 1950 e 1960 não tenha passado de um insustentável boom de pós-guerra. Afinal, o ritmo da produtividade atual está mais de acordo com os índices da primeira metade desse século.

O jornal ABRA OS OLHOS é uma publicação da Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados, com edição de Raimundo Rodrigues Pereira. O presente texto foi publicado em março de 1998. A bancada do PCdoB é composta pelos deputados Agnelo Queiroz, Aldo Arantes, Aldo Rebelo, Haroldo Lima, Inácio Arruda, Jandira Feghali, Ricardo Gomyde, Sérgio Miranda e Socorro Gomes.

EDIÇÃO 49, MAI/JUN/JUL, 1998, PÁGINAS 27, 28, 29