Conta a lenda que o filósofo grego Diógenes tinha o hábito de percorrer as ruas de Atenas com uma lanterna na mão, em busca de um homem. A lanterna do dirigente comunista Diógenes Arruda Câmara buscava a verdade e sua luz era a teoria marxista – leninista.

Poucos personagens da vida política brasileira podem ostentar em sua carreira a firmeza e a dignidade de Diógenes Arruda. Nascido no Afogado de Ingazeiras, na zona de seca em Pernambuco, o rijo sertanejo nunca se dobrou diante das adversidades. Comunista desde os 19 anos, ingressou no Partido Comunista do Brasil em 1934. Nos anos 40, em pleno Estado Novo, enfrentou com meia dúzia de companheiros a tarefa de reestruturar o Partido desbaratado pela repressão. Cumpre a tarefa com brilho, ao lado de João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, todos com pouco mais de 20 anos, organizando a Conferência da Mantiqueira, com o Partido tendo em suas fileiras cerca de 1.800 membros.

Em 1947 foi eleito deputado federal por São Paulo, com votação maciça de operários e trabalhadores. Oficialmente, sua legenda é o PSP e por isso ele consegue manter o mandato mesmo depois da cassação dos comunistas. Mas é do conhecimento público que Arruda fala no Congresso em nome do Partido Comunista. Foi cassado em 1952. Neste mesmo ano chefiou a delegação brasileira ao XIX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, quando conheceu Stalin pessoalmente.
Durante o ano de 1958 a luta no seio do Partido começa a ferver. Prestes decide-se a favor dos kruschevistas, adeptos do caminho pacífico para o socialismo. A luta interna contra o reformismo, prossegue até 1962, até a cisão definitiva, quando Prestes muda o nome do Partido para Brasileiro, querendo provar que não tem vínculos internacionalistas e facilitar a legalização. Arruda se alinha algum tempo depois aos que, como João Amazonas, reorganizaram Partido Comunista do Brasil em 1962.

Preso em 1969, em São Paulo, foi brutalmente torturado na OBAN (Operação Bandeirantes). Embora declarando-se comunista, não deu nenhuma informação à polícia e foi solto dois anos depois por falta de provas. Não se dobrou. Manteve vivo seu lema: "primeiro o Partido, depois a sua vida, se possível". Mas deixou a cadeia cardíaco, tuberculoso, com a capacidade pulmonar reduzida a um terço, sem uma das vistas e com os dedos da mão direita quebrados. Vale destacar que, além de seu comportamento heróico, resistindo bravamente às torturas, Arruda sempre foi lembrado por sua solidariedade com os demais presos políticos e por sua permanente preocupação com o estudo do marxismo-leninismo.

Sempre que juntava mais de dois companheiros, ele montava um curso. Fez isso durante toda sua vida na clandestinidade. E não foi diferente na prisão. Ex-presos políticos, como Luís Marcos Gomes, relatam que ele instalou diversos cursos de teoria durante sua estada no presídio Tiradentes, em São Paulo.

Ficou sete anos no exílio tendo morado no Chile, Argentina, Portugal, Albânia. E em todos estes países ministrou cursos de teoria marxista e de história do Brasil e do movimento comunista internacional. Ajudou a construir e consolidar muitos partidos e organizações marxistas em todos os cantos que visitava.

De volta ao Brasil, lançou-se à luta pela reconstrução do Partido, pela unidade, em defesa da anistia ampla, geral e restrita. Em poucos meses visitou diversos estados, defendendo a necessidade de somar as forças que se opunham à ditadura, reforçando os Comitês Brasileiros Pela Anistia e destacando seu papel na luta pela liberdade.

Arruda era uma personalidade de grande carisma e despertava sentimentos contraditórios entre as pessoas. Capaz de grandes arroubos, de discursos inflamados, de medidas duras, era também um homem de grandes paixões, terno e carinhoso, solidário com os companheiros, fiel até o fim a seu Partido e à revolução. Durante 20 anos foi casado com a artista plástica Tereza Costa Rego, a talentosa e doce companheira Joana, que largou tudo para viver a seu lado, numa estória de amor que só terminou com sua morte.

Diógenes Arruda Câmara, que enfrentou com heroísmo a tortura nos cárceres e os sofrimentos da clandestinidade, não resistiu à alegria. Morreu no dia 25 de novembro, no momento em que João Amazonas retornava do exílio. A caminho do Sindicato dos Metalúrgicos, onde iam realizar um ato político, seu coração cansado parou de bater.

Seu corpo foi velado por centenas de pessoas no salão nobre da Assembléia Legislativa de São Paulo. Em sua homenagem, o então deputado Eduardo Suplicy suspendeu a sessão. Não antes de discursar afirmando:

"Homem temperado, curtido pela clandestinidade e as prisões, Diógenes tinha também uma visão quase poética da revolução. Gostava de referir-se a ela como 'a festa do povo' e ao socialismo como 'um mundo de pão e rosas"'.
O jornal Tribuna Operária, dirigido pelo Partido, dedicou grande espaço à morte de Arruda. Em reportagem de Carlos Azevedo, relembrou que ele, orgulhoso de sua condição de comunista, apesar dos tropeços que esta condição acarreta no Brasil, costumava dizer a respeito com uma ponta de orgulho: "Os comunistas são metais que não se fundem".

O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo cedeu o jazigo dos jornalistas, no Cemitério São Paulo, em Pinheiros, para o sepultamento de Arruda. Uma homenagem ao jornalista militante que ele foi durante longos anos, seja como editor da revista "Problemas", durante muitos anos, seja como redator de A Classe Operária.

O enterro transformou-se num ato político de grandes proporções para a época. Embora com o Partido na clandestinidade, o cortejo foi acompanhado por guardas de trânsito abrindo o caminho e desviando o tráfego. A reportagem da Tribuna Operária relata: "Com profunda emoção, as centenas de amigos que acompanharam Arruda à sua última morada, caminhando por mais de dois quilômetros pelas ruas da Capital, choravam. E também cantavam a canção Caminhando, de Geraldo Vandré, repetindo muitas vezes:

"Vem vamos embora/que esperar não é saber/ quem sabe faz a hora/ não espera acontecer" .
Diante da sepultura, a multidão se postou por mais de uma hora. Elza Monnerat leu uma "Mensagem do Comitê Central do PCdoB" em memória do companheiro de lutas. Dirigentes de diversos partidos, organizações e entidades populares, ex-presos políticos deram seu último adeus ao velho combatente. Já escurecia quando o corpo de Arruda baixou à sepultura. Sobre o caixão, uma bandeira vermelha. Nela estavam bordados a foice e o martelo. E se lia em letras brancas: Partido Comunista do Brasil.
Devagar, a multidão se desfez. Homens, mulheres, jovens e velhos caminhavam abraçados, unidos. Arruda teria gostado de ver".

Resgatando sua própria história, os comunistas brasileiros homenageiam este seu dirigente e herói, 20 anos após sua morte, destacando, neste ano de formação, sua enorme contribuição à luta teórica e à construção do Partido. A lanterna de Diógenes Arruda continua acesa.

Olívia Rangel é doutoranda em ciências sociais e editora da revista Presença da Mulher

EDIÇÃO 56, FEV/MAR/ABR, 2000, PÁGINAS 68, 69