As ações do governador mineiro e suas manifestações públicas, desde janeiro de 1999, quando assumiu o cargo, são a indicação mais segura das idéias que Itamar levará à Presidência, caso seja eleito em 2002.

São idéias que o puseram em confronto com Fernando Henrique já na primeira semana de seu governo, quando Itamar Franco anunciou que, entre o cumprimento de obrigações financeiras do Estado e o pagamento do funcionalismo público, faria a segunda opção. Naquela semana, entrou em verdadeira guerra financeira contra o governo federal ao anunciar a suspensão do pagamento da dívida de Minas Gerais com a União. “Não se pode pagar o impossível, e não vou permitir o caos social”, disse, sinalizando o caminho oposicionista de seu governo.

Desde então, seu afastamento em relação ao governo federal se aprofundou, traduzido em uma permanente adjetivação condenatória – FHC é um vendilhão da pátria, disse em certa ocasião. Em maio de 2000, acusou o governo de estar “totalmente alienado em relação ao sentimento popular, ao sentimento de brasilidade”. E criticou, então, a crescente repressão policial contra movimentos populares de reivindicação dizendo que o governo federal “pensa que por meio de forte aparato policial, de repressão violenta, vai conter o problema. Está enganado”. Em junho de 2001, voltou ao assunto dizendo que FHC “perdeu o sentimento de Brasil”. Acusa também o presidente de romper a tradição republicana ao insistir na reeleição e transformar o Congresso brasileiro em um balcão de negócios para chegar a ela. “Foi uma vergonha neste país. Deputados venderam seus mandatos e ninguém se lembra disso”, diz ele.

Estas posições decorrem da marca forte de Itamar: seu nacionalismo. O sociólogo mineiro Otávio Dulci chega a compará-lo ao presidente Artur Bernardes (1922 a 1926), que se tornou campeão do nacionalismo nos anos 20 ao resistir contra o domínio da siderurgia nacional pela norte-americana Itabira Iron. Esse nacionalismo o torna atraente para expressiva parcela da burguesia brasileira, principalmente para os empresários que não aceitam a participação do Brasil na Alca e têm restrições contra o programa de privatizações de Fernando Henrique Cardoso. Entre esses empresários está Roberto Nicolau Jeha, um dos vice-presidentes da FIESP. Dizendo que Itamar vai apresentar proposta para uma nova política industrial, sem “privatizações predatórias”, Jeha disse, em março de 2001, que tem “muitas convergências: o governador sempre defendeu juros baixos e eu também, e acho que ele tem razão quando observa que houve falhas estratégicas nas privatizações”.

Uma garantia desse nacionalismo aceitável para a burguesia industrial é o fato de Itamar ter sido o único governante do país a rever um processo de privatização, o da Cemig, da qual afastou os sócios norte-americanos. Seu governo iniciou um programa de investimentos de R$ 2,7 bilhões no setor elétrico, com a parceria de empresas privadas e de grandes consumidores de energia elétrica, como a Cia Vale do Rio Doce, a Cia Suzano de Papel e Celulose, a Votorantin, a Coteminas etc, gerando 25,7 mil empregos diretos. Ainda nesse sentido de afirmação nacional e repúdio das privatizações promovidas pelo governo de FHC, seu governo voltou a ser pioneiro e criou, em junho de 2001, a Comissão de Apuração de Irregularidades do Sistema Financeiro Estadual, para investigar o saneamento e a privatização do Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais) e do Credireal, ocorridas em 1998.

Outro setor da vida nacional sensível a esse nacionalismo são os militares, a quem Itamar tem feito acenos constantes. Em março de 2001, ele defendeu o uso das Forças Armadas no combate à corrupção no governo federal dizendo que as privatizações “tem servido de biombo a negócios escusos e à corrupção no Brasil”; para ele, todo mundo deve discutir o assunto, “estudantes, operários, políticos e militares da reserva, que são cidadãos comuns, não são párias”. Em junho de 2001, outro aceno. Ele acusou o Partido dos Trabalhadores de falta de patriotismo por exibir, em seu programa na televisão, ratos roendo a bandeira brasileira. Tratava-se, é claro, de uma alegoria representando a pilhagem do Brasil por interesses privatistas. Mas, como o zelo pelos símbolos nacionais, particularmente pela bandeira, é forte entre os militares, Itamar não deixou passar a ocasião de manifestar sua diferença em relação ao PT nessa questão.

Além do nacionalismo, e decorrente dele e da sua formação jurídica, a outra marca daquilo que seria o programa de Itamar para mudar os rumos do país é sua defesa da necessidade de convocação de uma Constituinte Nacional Exclusiva, formada por constituintes com mandato de um ano e inelegíveis para a legislatura do Congresso Nacional seguinte à Constituinte. A idéia surgiu no final de 2000 e, desde então, é repetida por Itamar. A ela caberia reordenar o país, consertar o estrago que o governo de FHC fez na Constituição de 1988 ao desfigurar principalmente os capítulos referentes às ordens econômica e social. Ela vai rever, pensa Itamar, principalmente as privatizações, a ação das multinacionais sem a contenção de órgãos fiscalizadores, a crise energética, a defesa ambiental. Com a atual Constituição, diz, “o país é ingovernável”. “Mexeu-se tanto na Constituição que com a ordem econômica que aí está, nenhum presidente vai conseguir governar”.

Assessores próximos de Itamar sonham com a possibilidade de ele vir a ser o anti-Lula de 2002. E trabalham nesse sentido, procurando aproximá-lo principalmente da burguesia brasileira e de militares descontentes com o desastre provocado no país pela implantação da “modernidade” neoliberal. E contam, para isso, com sua imagem de nacionalista, com sua defesa de uma nova Constituinte e, principalmente, com a imagem de honestidade pessoal que mesmo as campanhas mais sórdidas e venais da imprensa chapa branca não conseguem comprometer.

EDIÇÃO 62, AGO/SET/OUT, 2001, PÁGINAS 22, 23