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    Comunicação

    No vale das águas doentes

    – Ah, cidade perversa, eu sacio tua sede alimento teus filhos e, em troca, injetas veneno em minhas veias… Verdes vales-pálidos, peixes, pássaros inválidos. No vale escorre um doente. Ferido, mutilado, perde a vida a cada momento. Dele, qual de um aidético os amigos se afastam e renegam os antigos laços: – "Nestas águas nunca […]

    – Ah, cidade perversa,
    eu sacio tua sede
    alimento teus filhos
    e, em troca,
    injetas veneno em minhas veias…

    Verdes vales-pálidos,
    peixes, pássaros inválidos.
    No vale
    escorre um doente.
    Ferido, mutilado,
    perde a vida
    a cada momento.
    Dele, qual de um aidético
    os amigos se afastam
    e renegam os antigos laços:
    – "Nestas águas nunca me banhei,
    destes barrancos nunca pesquei".

    A hidrografia é assim:
    o Botafogo deságua
    no Capim-Puba,
    o Capim-Puba desemboca
    no Anicuns
    que já colhera
    o Macambira, o Vaca-Brava,
    o Cascavel
    e o Anicuns injeta
    toda podridão no meia ponte.
    Não existe
    nada mais triste
    do que a "Barra"
    do Anicuns com o Meia-Ponte
    o que se vê
    não é água
    é gosma
    é a cidade
    vomitando incessantemente.

    II

    O rio
    "é antes de tudo um bravo".
    Um resto de água na calha
    um resto de ramagens nas margens
    um resto de garças brancas
    e um resto de vida,
    escondida,
    nas locas…
    Um socó, um único socó
    voa
    e lança seu grito de guerra.
    E os peixes,
    vontade louca de viver,
    bravios voam à flor d'água
    em busca de oxigênio.
    O rio luta,
    o rio geme,
    o rio lança sinais de socorro.
    Quem o escuta, quem o entende,
    quem atende?
    Os industriais alardeiam
    que respeitam os "dispositivos legais".
    O governo estadual
    culpa o federal.
    O prefeito lamenta:
    – "Não há verbas…"
    Uma nova lei, prometem os deputados,
    no próximo "esforço concentrado…"
    E o arcebispo, dentro dos seus limites,
    celebra uma missa.
    Enquanto isto,
    embora que ferido,
    embora que em sangue,
    nação invadida
    o rio trava
    sua luta contra a morte
    e ensina
    que só os covardes
    se rendem.

    III

    Adiante,
    um urubu gordo,
    penas reluzentes.
    imponente,
    do alto de uma árvore seca,
    o impávido monarca
    tudo olha, tudo vê,
    é como se dissesse:
    – "Todo esse reino
    já me pertence."

    mas o rio,
    um rio é uma hidra.
    Um rio é mais que um homem
    um rio é uma nação
    por que dá vida
    a milhares de plantas, bichos
    e homens.
    E assim o rio resiste,
    A vida verdeja
    nem que seja
    nestas últimas erectas velas,
    nestas últimas pálidas, raquíticas
    garças brancas
    de tão brilhante alvura!

    Um resto de rio
    um resto de vida
    resistem.
    Nem que seja
    de forma imunda.
    Nem que seja
    neste "cardume" de cágados
    que se alimenta
    de carniça e lama.

    Os Sonhos e os Séculos – Adalberto Monteiro
    Círculo Azul Livros – Goiânia – 1991.


     Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).

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