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    Comunicação

    Chove sobre Bagdá II

    Chove sobre Bagdá. Torrencialmente, despejam a morte sobre Bagdá, sobre as cúpulas das Mesquitas, sobre as cabeças das crianças, despejam toneladas de bombas sobre Bagdá. Os camelos, os cavalos, as oliveiras, as palmeiras, as ovelhas e as pessoas estão em sangue. As águas do Rio Tigre rugem de dor. Tornaram azedas as tâmaras e feriram […]

    Chove sobre Bagdá.
    Torrencialmente,
    despejam a morte sobre Bagdá,
    sobre as cúpulas das Mesquitas,
    sobre as cabeças das crianças,
    despejam toneladas de bombas sobre Bagdá.

    Os camelos,
    os cavalos,
    as oliveiras,
    as palmeiras,
    as ovelhas
    e as pessoas estão em sangue.
    As águas do Rio Tigre
    rugem de dor.
    Tornaram azedas as tâmaras
    e feriram os ventres das odaliscas
    e elas não dançam mais.
    Nem os meninos, nem os trigais,
    nem os velhos, nem os animais,
    não há um sopro de vida
    que escape da morte e seus punhais,
    pois que agora
    as bombas "são inteligentes"
    e por mais que lute a vida
    e por mais que se camufle a vida,
    a bomba, com seu olhar-laser
    fareja, localiza, aniquila.

    II

    Os bárbaros estão de volta
    ao mundo árabe,
    só que a degola
    não vem a cavalo,
    a sangria não é pela espada.
    De nascer a nascer do sol
    são dois bombardeios por minuto
    num esbanjamento insólito de crueldade.
    Os antigos bárbaros
    atiravam as bibliotecas ao Tigre
    pois embora de posse das vísceras
    dos vencidos
    tinham medo dos seus livros.
    Hoje, da Casa Branca,
    um atávico mongol
    ordena que não fique de pé
    uma só casa, uma só escola,
    uma só indústria, uma só tamareira,
    um só menino…
    — É preciso um castigo exemplar!,
    vocifera o tirano,
    para que nenhum outro povo
    se atreva a desafiar
    o império americano.
    Bombardeiam a Babilônia,
    Ur, Nínive, Ashur…
    Ah! essas hordas
    mesmo que façam o Eufrates
    arder em fogo,
    igual ao fogo continuará a brilhar
    esta civilização, esta nação,
    que nos ensinou somar e ler as estrelas,
    a tornar verde o deserto
    e a cunhar nas pedras, as palavras.

    III

    Antes a guerra vinha nas avenidas
    pelos gritos dos jornaleiros:
    "NAZISTAS INVADEM A POLÔNIA!
    MILHARES DE MORTOS".
    E aqueles gritos ecoavam longe
    nas praças e nos corações.
    Hoje a guerra chega a nossa sala
    pela voz asséptica, indolor,
    cínica do agressor.

    A TV faz da barbárie um show.
    Forma uma torcida contra a vida.
    Arranca aplausos para o avião invisível
    que não erra o alvo
    mesmo que na mira
    estejam escolas, creches, hospitais.

    IV

    O Império norte-americano
    Tenta fazer a humanidade
    retroceder aos circos romanos
    e faz da matança uma festa.
    A mídia cultiva
    a peste do racismo.
    Vi num boteco de vila
    Um homem simples virar um gole de cachaça
    em tributo à mira certeira de um caça.
    Li nas entrelinhas de um discurso de Bush
    que não estão morrendo pessoas
    estão morrendo "árabes"…

    V

    Você que liga a TV
    e aplaude a aviação americana
    saiba que seu salário miserável
    é que financia a carnificina.
    Você que vê os B-52, os jatos Tomcat
    Os mísseis Tomahawk,
    devastando a vida e nada sente
    saiba que amanhã a casa bombardeada
    poderá ser a sua.
    Aquele país destruído
    poderá ser o seu.
    Se você não é capaz
    de lutar pela paz
    por aqueles que estão sendo mortos agora,
    lute por você mesmo,
    pois amanhã aquela criança morta
    que aparece no vídeo
    talvez não seja uma menina árabe,
    mas sua filha.

    ______________________________
    *Em 1991, na chamada "Guerra do Golfo" escrevi Chove sobre Bagdá. Ontem – 21/03/2003,  ao novamente ver Bagdá em chamas e as pessoas em sangue -,  resolvi republicá-lo com algumas alterações. O país agredido é o mesmo, o império agressor é o mesmo, o facínora que comanda a matança não é o velho Bush, mas é o seu filho. Mas há uma grande diferença: as multidões estão nas ruas empunhando a bandeira da paz. É preciso que se multipliquem, que lá permaneçam. Que na mais larga e longa avenida não caiba nossa revolta e indignação.

    As Delícias do Amargo & Uma Homenagem poemas – Adalberto Monteiro
    Editora Anita Garibaldi, 2006

    Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).

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