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    Comunicação

    De coisas e pessoas

          Luzes numerosas evidenciavam a cidade. Ruas, alamedas, prédios, casas de família e de prostituição iam se revelando a cada lâmpada acesa pela tarde que morria. Lá pelas oito, vista do alto da serra, o lugar era um bloco de diamante e pequenas listras negras.       Chegou cauteloso. Um tempo enorme o separava do instante […]

          Luzes numerosas evidenciavam a cidade. Ruas, alamedas, prédios, casas de família e de prostituição iam se revelando a cada lâmpada acesa pela tarde que morria. Lá pelas oito, vista do alto da serra, o lugar era um bloco de diamante e pequenas listras negras.

          Chegou cauteloso. Um tempo enorme o separava do instante em que pisou a plataforma da estação rodoviária. Ajeitou a mochila de lona, buscou o idêntico sob o diferente e não pôde crer que voltara.

          Tudo parecia menor. Os logradouros estavam lá, no mesmo lugar, mas não eram os mesmos. Os paralelepípedos sabiam ao mesmo tom de cinza e ao mesmo cheiro quente de outras eras. Moradas baixas, de portões também baixos, conviviam agora com sobrados de grandes portões de madeira – verdadeiras fortalezas em meio a casas acanhadas, pintadas de salmão, rosa ou azul; algumas poucas, brancas.

          Quando chegou à padaria de seu bairro, notou que os donos já não eram os mesmos, e que havia novos estabelecimentos na rua principal. Os cães davam a impressão de continuarem seus ancestrais: nas calçadas, quais esfinges, e em tudo depositavam seu juízo vagaroso de sábios. 

          À porta de sua casa, hesitou. Lembrou do oitão da infância, onde desenhava escondido de todos. Viu de memória o quintal dos fundos, de cimento cru, onde circulava de bicicleta e bebia água de coco do único coqueiro, alto como um prédio, que parecia pintar o céu. Sorriu. Sempre achara esquisito aquele verde produzindo azuis.

          Ia tocar a campaínha, resolveu bater palmas. Passados uns segundos, apareceu um capucho de algodão na janelinha da porta. Um cenho franziu as rugas, apertou os olhos atrás de umas lentes grossas e fez sair para a varanda um vestido esverdeado salpicado de flores coloridas. Na cintura, um avental; nos pés, chinelos de rosto de corino preto.

          A senhora, baixa e rija, acercou-se do portão enxugando as mãos num pano de prato.

          – Pois não? 

          Feitas as apresentações e dadas as coordenadas, ficou-se sabendo que todos que tinham de morrer haviam morrido, e todos que tinham de partir, partiram. Casa vendida, direções ignoradas, ele voltou por sobre as lembranças para a estação e, mais uma vez, emigrou.

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