Mariana chega ao hospital com a carta apertada na mão direita. Toda crispada, vai encontrar a irmã se arrumando para dormir. Glória toma um susto ao vê-la ali de volta:

      – O que você tá fazendo aqui? Cadê mamãe?

      – Toma, lê isso aqui.

      – Você abriu?! – arrasta a irmã pra fora do quarto – Você é maluca?! Como abre assim a carta? O que que mamãe disse?

      – Abri enquanto ela estava no banho. Ela nem me viu sair.

      – Ai, Mariana, você… nem sei o que dizer. Mamãe deve estar agoniada em casa com o seu sumiço.

      – Você vai ler ou não vai? Mais importante que o meu sumiço é o que tá escrito aí. Lê.

      Glória se senta na poltrona da sala de espera e põe-se a ler a carta. Antes de terminar o primeiro parágrafo, se lembra:

      – Liga pra mãe. Avisa que você tá aqui, pelo menos.

      Mariana faz menção de resistir. Mas aqueles negrumes de pupilas – que pedem ordenando e ordenam pedindo – fazem-na sair em demanda de um telefone. Glória volta à carta. A cada linha vencida, os maxilares se contraem; o cenho, cada vez mais carregado, e os lábios, a cada passo mais apertados e pálidos, desenham em seu rosto asco e revolta.

      Ao terminar a leitura, dobra vagarosamente as folhas, enquanto suspira forte e reflete. Balança a cabeça, a concordar com antigas impressões e velhas certezas. Solta um riso de ironia. Levanta-se devagar e ruma para o quarto onde seu Jorge ainda repousa inconsciente. À porta, observa o pai ali largado, qual trapo, e lembra de tudo que leu. Aproxima-se do leito:

      – Sempre soube que você não é o que parece. A gente nunca se deu, não é? Mas é porque você sabia que eu sabia; de alguma forma, eu sabia.

      Neste instante, aparece Mariana:

      – Ele acordou?

      – Não. Tô falando sozinha. E mamãe?

      – Tá vindo pra cá.

      – É bom mesmo que venha…

      – E se for tudo mentira dessa Lucinda?

      – Duvido que seja. (Pausa). Viu só? Você queria tanto uma sobrinha, olha aí.

      Mariana fuzila a irmã com o olhar. Não consegue entender de onde Glória tira forças para tanto auto-controle. Desde pequena é assim. Quando o pai vinha bronquear com a duas, ela, Mariana, já caía no choro antes mesmo dele abrir a boca. Glória, essa mirava o velho nos olhos e era como se tivesse toda a razão do mundo. Nunca apanhou dele. Mariana estava convicta de que o pai tinha medo da irmã.

      Em compensação, o que Glória não apanhava do pai, apanhava da mãe. Dona Inácia não gostava do ar zombeteiro de sua mais velha. Também não dava trégua para as manhas de Mariana – manhas alimentadas por seu Jorge, que revelava franca preferência pela caçula.

      – Acho que a hora não é boa pra ironias, Glória. Quando a mamãe chegar, seria bom você evitar esse tipo de comentário.

      – E por falara nela…

      Mariana vira-se e dá com dona Inácia sob os batentes da porta. Com o olhar esgazeado, arfando, indignada, a velha encara as filhas alternadamente. Olha para o marido na cama e aperta a carteira nas mãos:

      – Cadê a carta?

      Glória estende os papéis para a mãe:

      – Acho bom a senhora sentar.