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    Comunicação

    Pra quê? (segunda parte)

          – Áe!!       – Desculpe. Doeu muito? Desculpe. Só um instante. Pronto. Bochecha… isso. Pode cuspir.       – Ô, do'tô, iá é a 'ercêa 'ez…       – Desculpe. Vamos fazer o seguinte… Você volta semana que vem. Melhor.        Deitado na cadeira, boca aberta, o paciente olha Amarildo – Doutor Amarildo Bezerra – com […]

    POR: Elder Vieira

          – Áe!!

          – Desculpe. Doeu muito? Desculpe. Só um instante. Pronto. Bochecha… isso. Pode cuspir.

          – Ô, do'tô, iá é a 'ercêa 'ez…

          – Desculpe. Vamos fazer o seguinte… Você volta semana que vem. Melhor. 

          Deitado na cadeira, boca aberta, o paciente olha Amarildo – Doutor Amarildo Bezerra – com os olhos confusos e a gengiva magoada. Nunca tivera uma queixa do dentista. Visitava-o com regularidade e o elogiava para quem quisesse ouvir. Mas hoje, o cabra tava era com a bicha. Foram três pontadas na boca, que viu foi estrela.

          A auxiliar – eita coisinha jeitosa! – veio, limpou tudo com delicadeza e conduziu a vítima até a recepção. Amarildo lavava as mãos na pia, desconsolado, quando ela entrou.

          – Tudo bem?

          – Bem, que bem? Pode alguma coisa estar bem? – respondeu o dentista, melancolicamente avexado. 

          Ela aproximou-se, encostou-se nele, afagou-lhe os cabelos. Virou-o, tomou seu rosto entre as mãos e disse, numa voz terna:

          – Pra que você fica assim? Ela não te merece.

          – Irra!, que lai vem você com essas histórias! Que não merece o quê? Eu é que sou uma anta. Fico com essas bobagens na cabeça.

          – Pois eu acho o must homem ciumento. 

          – Cê acha, é?

          – Acho sim.

          – Então chegue pra cá.

          Telefone. Agarrado na boca da moça, ele dá uma rabiada de olho para o aparelho.

          – Deixe tocar… – ela geme. 

          – E se for Dina – retruca o doutor, com o beiço de cima liberto. 

          – Né não…

          – Mas…

          – Vá, atende logo essa peste, vá. Ô, bicho besta! 

          Ele corre ao telefone:

          – Alô?… Do consultório do Dr. Amarildo Bezerra… Um instante. – volta-se para a moça – Paciente.

          Ela desamarrota o vestido e o avental, recompõe o penteado, passa por ele despeitada, toda se rebolando. Dirige-se à recepção. Ele olha aquilo tudo se indo e se pergunta:

          – "Pra que tanto sofrimento, meu deus, me diga: pra quê?". 

          E cai vencido na cadeira – o coração, pleno de Maria Ondina; o corpo, coberto com o perfume da recepção.

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