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    Comunicação

    Sova na Avenida da Praia

          Essa me contaram e eu reconto:       Enaura era uma mulher sempre contente. Pele morena, rosto redondo sempre sorridente, tinha um corpo todo roliço, mas bem divididinho. Estava chegando aos quarenta. Vestia-se sobriamente, mas sempre com apuro.       Enaldo, seu digníssimo, era um caboclo alto, encorpado, uma barriga um tanto proeminente, mas que não […]

    POR: Elder Vieira

          Essa me contaram e eu reconto:

          Enaura era uma mulher sempre contente. Pele morena, rosto redondo sempre sorridente, tinha um corpo todo roliço, mas bem divididinho. Estava chegando aos quarenta. Vestia-se sobriamente, mas sempre com apuro.

          Enaldo, seu digníssimo, era um caboclo alto, encorpado, uma barriga um tanto proeminente, mas que não lhe comprometia o talhe, dado o seu tamanho. Comparecia às suas obrigações maritais quatro vezes por semana. Seu desempenho não deixava nada a desejar: unia o fôlego de um garoto ao requinte de homem maduro. Circunspecto, zelava fortemente pela honra da família. Repetia sempre que há ambiente e ambientes. Zulmira, sua mais velha, na casa dos 17 anos, vivia às turras com ele, posto que, querendo sair com as amigas, o pai logo queria saber onde, como, quando e, sobretudo, com quem. Invariavelmente, dizia não. "Há ambiente, e ambientes, minha filha. A cada coisa, seu tempo".

          Enaura, mãe amorosa, chegava junto do marido, fazia-lhe uns apelos, afiançava que a menina era ajuizada – não iria, sendo filha de quem era, se meter em confusão. 

          De mel em mel, Enaldo cedia, mas impunha horário de retorno: "Dez horas, teje em seu quarto; em sua cama". Zulmira queria protestar, mas a mãe logo lhe fazia sinais. Sabia que, invariavelmente, ou o marido dormia antes da filha chegar, ou ele mesmo chegava em casa bem depois dela estar dormindo.

          O casal costumava também sair. Ia com os amigos a restaurantes e, vez ou outra, a um forró. Enaldo era um pé de valsa. Aliás, tinha conhecido Enaura num jantar dançante, em homenagem a um senador muito seu chegado. Tirou a morena prum baião e, dali a meses, casou-se.

          Um dia, a esposa pede:

          – Naldo… 

          – Diga.

          – Me leve na Blue Moon?

          – Onde, Enaura?!

          – Blue Moon. 

          – A boate?

          – Sim.

          – Ô, Enaura: há ambiente e ambientes, minha filha!

          – Oxente! Todo mundo diz que ali é a maior animação. Que tem casal que costuma ir. Diz que toca de tudo, lá. 

          – Tudo e mais um pouco, né, Enaura!

          – Cê já foi lá, foi?

          – Eu não. Sou lá homem de freqüentar esses ambientes?

          – Mas Marcelo, de Neuza, diz que vai sempre…

          – Marcelo… Cê não conhece Marcelo? 

          Passada a quinzena, Enaura voltou à carga:

          – Naldo. Naldô…

          – Diga, minha prenda…

          – O que cê vai me dar de aniversário? 

          – O que você quiser, gostosa…

          – Me leve na Blue Moon?

          – Ih, lai vem você de novo com essa história! Já não lhe disse que aquilo não é ambiente, minha filha?

          – Pra começo de conversa – retorquiu ela, arretada – não sou sua filha. Pra continuar a conversa, não quero saber de ambinete nem meio ambiente. E pra terminar, você não acabou de dizer que eu podia pedir o que eu quisesse? 

          Sem remédio a dar, lá foi Enaldo com Enaura para a Blue Moon. Desceram ambos do carro, fatiotados e cheirando à colônia. Enaldo, tenso. Enaura, só alegria.

          – Boa noite, seu Enaldo – saudou o porteiro.

          O saudado fez que não ouviu. Travou o braço da esposa e foi entrando.

          – Enaldo? – interpelou Enaura – Esse homem lhe conhece? 

          – Hã – fez-se de distraído o cidadão.

          – O porteiro, ele lhe cumprimentou.

          – A mim? Você é que não ouviu direito, Naura. Magina! Me conhece! Vê se tem cabimento uma coisa dessas… 

          Um garçon abana a mão do outro lado da boate e grita:

          – Seu Enaldo! Sua mesa!

          – Enaldo! – de novo a dignissíma – O garçon…

          – Vamos sentar por aqui mesmo! Tá bom aqui, minha prenda? – apressou-se Enaldo.

          – Enaldo Vitoriano da Silveira, o que…

          – Boa noite, seu Enaldo. Vai aquela cuba, mais rum do que coca e pouco gelo? 

          Enaura levantou-se indignadíssima:

          – Seu cachorro safado! Sem vergonho descarado! Ambiente, né? Ambiente! Ambiente um fute, seu filho de uma cancela batedêra!

          – Naura, meu amor, se acalme. Olhe…

          – Se acalme uma pinóia, seu meliante! Vô mimbora! 

          – Naura!

          – Não me siga!

          – Espere, o carro…

          – Vou de táxi.

          – Naura…

          – Me deixe!

          Tomou um dos carros parados à porta da boate. Enaldo entrou atrás. Mal o automóvel partiu, ela voltou à carga:

          – Vê se posso com essa cara lisa?! Safado, cafajeste, pilantra! Tá pensando que eu sou o quê?

          – Naurinha… 

          – Naurinha o escambau, tá me ouvindo? O escambau! Olhe, eu não sei o que tô fazendo que não…

          Súbito, o motorista do táxi freou, desengatou o veículo, puxou o breque de mão. Voltou-se incontinenti e disparou:

          – Seu Enaldo, quer que eu encha a cara dessa puta atrevida de bolacha, como aquela da semana passada? O senhor sabe que freguês meu não passa apertado!

          No dia seguinte, o comentário era só a mulher que, sozinha, tinha sovado dois sujeitos grandes na Avenida da Praia.

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