Hoje é um dia muito especial, tenho certeza. Não só para mim, mas para todos que aqui estão, seus amigos, admiradores, parlamentares.

Confesso que não sabia, como não sei ainda, o que dizer para homenageá-lo, mas para mim este ato por si só já expressa o quanto o estimamos, reconhecemos e agradecemos pela sua obra, que a tantos encanta.

Querido Thiago, recordo-me desta passagem na Apresentação de um de seus livros (de José Maria Pinto, talvez): “(…) poemas não mudam o mundo, mas podem mudar pessoas…”.
E assim percebi que nada mais me restava a não ser dizer muito obrigada, Thiago. Muito obrigada por suas poesias, suas palavras, pelo seu dom, que não apenas nos confortam, nos trazem alegria, transformam até dor em algo profundamente belo, mas principalmente nos ascendem até a esperança, nos mostram não apenas ser possível ver no escuro, mas mesmo no escuro ser possível cantar, dançar e construir a alegria. Como diz um de seus mais belos poemas: “(…) Faz escuro, mas eu canto…”.

Em meados da década de 1960, num momento muito difícil do nosso país, da nossa história, quando as pessoas eram tolhidas em seu direito de falar, de se expressar, de lutar por seus ideais, quando tentavam acabar com todos os referenciais de liberdade, de democracia, você nos mostrou não só que era preciso resistir, mas que isso era possível. E essa resistência, essa luta, nos levariam à vitória.
Contra os Atos Institucionais você nos brindou com os Estatutos do Homem, você cantou a liberdade, louvou a democracia.

Contra a tortura e a censura você falou bem alto ser possível cantar.
Contra o conformismo e a apatia você apontou o caminho da irreverência, da indignação e disse valer a pena lutar.
Você, Thiago, por seu próprio caminho, mas caminhando sempre ao lado de homens e mulheres que lutaram também contra a ditadura, ajudou muito este país a mudar. Você é, e será sempre, um eterno participante dessa peleja.
Você é um dos grandes reconstrutores desta nova nação – ainda não a que queremos, mas a que permite

Volto armado de amor
Thiago de Mello

Venho armado de amor
para trabalhar cantando
na construção da manhã.
Amor dá tudo o que tem.
Reparto a minha esperança
e planto a clara certeza
da vida nova que vem.

Um dia, a cordilheira chilena em fogo,
quase calaram para sempre
o meu coração de companheiro.
Mas atravessei o incêndio
e continuo a cantar, publicamente.

Não tenho caminho novo.
O que tenho de novo
é o jeito de caminhar.
Com a dor dos deserdados,
com o sonho escuro da criança
que dorme com fome,
aprendi que o mundo não é só meu.
Mas sobretudo aprendi
que na verdade o que importa,
antes que a vida apodreça,
é trabalhar na mudança
do que é preciso mudar.

Cada um na sua vez,
cada qual no seu lugar. nossos sonhos e principalmente nossa luta por esses sonhos de igualdade, de justiça social, de liberdade, de democracia.

A luta pela liberdade e pela justiça social passou a ser para você o maior sentido de sua própria vida. E você tem se dedicado a isso não só com competência, mas com a capacidade de poucos.
Você não é só o grande poeta da Amazônia, do Brasil, mas da liberdade, do amor, da solidariedade. Sua poesia não tem estado, não tem fronteiras, não tem limites. Como você mesmo diz, ela tem lado – e é o lado do bem. Você próprio escreveu: “(…) O difícil é ver e fazer de conta que não viu…”.
Quero do fundo do meu coração agradecê-lo por estar aqui e nos permitir fazer esta homenagem simbólica, mas cheia de reconhecimento.

Estamos aqui, seus amigos e admiradores, no parlamento, na casa do povo, onde você em 1988 teve o privilégio de fazer parte de um dos momentos mais importantes da luta pela reconstrução da democracia no Brasil e, a convite de Ulisses Guimarães e ao lado de seu amigo Cláudio Santoro, declamou sua poesia na inauguração da nova Constituição.

Estamos aqui na Câmara dos Deputados que, como diz Aldo Rebelo, não é uma casa perfeita – pois, ao expressar nossa própria sociedade, é o espelho da diversidade e dos problemas deste nosso grande país –, mas é imprescindível à democracia.

Estamos aqui, comemorando não só seus 80 anos de vida, a sua obra, a sua poesia, mas prestando-lhe uma homenagem, um tributo, pelo que você é, e sempre será, por mais 80, por mais 10 vezes 80, por mais 100 vezes 80, por mais 1000 vezes 80. Para sempre Thiago.

Parabéns e muito obrigada!
Viva a liberdade!
Viva Thiago!

Vanessa Graziottin é deputada federal pelo PCdoB/AM.

Thiago de Mello

No coração da floresta amazônica, mais precisamente no município de Barreirinha, em 30 de março de 1926 nasceu Amadeu Thiago de Mello. Ainda no início de sua juventude, deixou de contemplar o “Paraná de Ramos” e mudou-se para a Capital Manaus, a fim de começar a estudar.

Já rapaz, mudou-se para o Rio de Janeiro para cursar a faculdade de Medicina. Contudo, o jovem Thiago sempre trouxe dentro de si um espírito inquietante, uma necessidade ávida de refletir sobre as questões da vida. E dividido entre a arte poética e ciência médica, tomou um ato de coragem, principalmente para essa época: optou pela poesia, abandonando o curso de Medicina no quarto ano. Estreou na literatura brasileira em 1951, com o livro de poemas Silêncio e Palavra, sendo rapidamente reconhecido.

O poeta fez da defesa da vida e da liberdade o motivo maior dos seus versos. A biografia de um poeta assim concebido e a tanto cometido não poderia jamais se desenvolver num plano de tranqüila rotina. A de Thiago de Mello teve, por isso mesmo, suas fases sombrias e borrascosas, perseguido pela ditadura militar, acabando em uma arbitrária prisão e longo e doloroso exílio da pátria a que tanto ama e serve. Ainda nessa época, apesar da diferença de idade, ficou amigo de Pablo Neruda, outro poeta de espírito contestador.

São oito décadas de uma história recheada de belas palavras, alternadas com muita contestação em defesa da liberdade e do povo do norte. Thiago de Mello já fez por merecer seu lugar não só entre os grandes nomes do Amazonas e do Brasil, mas na literatura universal. Seus Estatutos do Homem, de 1964, já foram lidos e relidos em várias línguas, em vários tempos, e assim o será ainda por muitos e muitos anos. O reflexo de um homem que sempre escolheu as melhores palavras para falar de sua terra, o estado do Amazonas, e seu povo.

EDIÇÃO 85, JUNHO, 2006, PÁGINAS 50, 51, 52