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    Comunicação

    O açúcar

    O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. Vejo-o puro e afável ao paladar como beijo de moça, água na pele, flor que se dissolve na boca. Mas este açúcar não foi feito por mim. Este açúcar veio da mercearia […]

    O branco açúcar que adoçará meu café
    nesta manhã de Ipanema
    não foi produzido por mim
    nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

    Vejo-o puro
    e afável ao paladar
    como beijo de moça, água
    na pele, flor
    que se dissolve na boca. Mas este açúcar
    não foi feito por mim.

    Este açúcar veio
    da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
    dono da mercearia.
    Este açúcar veio
    de uma usina de açúcar em Pernambuco
    ou no Estado do Rio
    e tampouco o fez o dono da usina.

    Este açúcar era cana
    e veio dos canaviais extensos
    que não nascem por acaso
    no regaço do vale.

    Em lugares distantes, onde não há hospital
    nem escola,
    homens que não sabem ler e morrem de fome
    aos 27 anos
    plantaram e colheram a cana
    que viraria açúcar.

    Em usinas escuras,
    homens de vida amarga
    e dura
    produziram este açúcar
    branco e puro
    com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

     

    Ferreira Gullar
    Toda poesia (1950/1980)
    Editora Círculo do Livro S.A.

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