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    Comunicação

    Todo dia, à caça

    Na savana da TV a fêmea de leopardo vai à caça. Aumento o som para alcançar o vento granulado que bate o mato ralo. Há uma impala que pasta com sua cria um cheiro que não sinto e que lhe chega afiando as orelhas. A impala é uma cabeça atenta em contraluz. E na luz […]

    Na savana da TV
    a fêmea de leopardo vai à caça.
    Aumento o som
    para alcançar o vento granulado
    que bate o mato ralo.
    Há uma impala que pasta
    com sua cria
    um cheiro que não sinto e que lhe chega
    afiando as orelhas.
    A impala é uma cabeça atenta
    em contraluz.
    E na luz
    areia sobre areia
    avança rastejando o dorso maculado.
    Zoom para a impala em fuga
    rasgados verdes
    guinchos
    e o torvelinho em bote sobre a carne.
    Um corte poupa o sangue
    areia e silêncio amortalham a imagem
    dois olhos de sol coado brilham vitoriosos.
    A tela devolve o filhote de impala
    morto
    na boca da leoparda.

    Pendente
    vai o pequeno impala entre dentes
    filho que era
    agora repasto
    levado para outros filhos que esperam.
    Uma manada de elefantes
    atravessa o caminho com barridos e abanadas orelhas.
    Altiva
    a caçadora segue caminho.
    Que se respeite a fêmea que leva comida para casa.

    Por trás dos créditos que sobem enquanto ela se afasta
    eu me vejo
    caçadora urbana
    como ela em busca de comida para os meus
    quando pela calçada da volta
    com a presa nos sacos do supermercado
    passo pelos traficantes da favela ao lado
    e sigo
    sem alterar o rumo
    ou desviar o olhar.

     

    Marina Colasanti
    Fino Sangue
    Editora Record – edição 2005

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