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    Comunicação

    A verdadeira estória da invenção das Amazonas

    Aqui-agora o sol aceso na feira Meio-dia panela no fogo barriga vazia Macaco torrado na beira da baia Dona Maria noite e dia à ilharga do fogão Margem do tempo e da chuva Semarias e ilhas do esquecimento Roteiros da fome sem nome Diásporas sem fim mundo afora. Aqui-agora a ver navios anos a fio […]

    Aqui-agora o sol aceso na feira
    Meio-dia panela no fogo barriga vazia
    Macaco torrado na beira da baia
    Dona Maria noite e dia à ilharga do fogão
    Margem do tempo e da chuva
    Semarias e ilhas do esquecimento
    Roteiros da fome sem nome
    Diásporas sem fim mundo afora.

    Aqui-agora a ver navios anos a fio
    Insônias transamazônicas
    A ver o peso do 'teso' ancestral
    Aviamento do tempo arquelógico
    Esta gente-semente da gente ribeirinha
    Notícia urgente da necessidade e acaso
    Casamento do dia co'a noite
    Açoite do vento na beira do cais
    Faz sentir e pensar
    Águas de março lavam a pedra
    Primordial.

    Aqui-agora academia do peixe-frito:
    rito ribeirinho, comunhão caboca
    Manducação sagrada
    O pão da terra e vinho de açaí tinto
    O fruto da pesca véspera da sesta
    Festa de São Benedito da Praia
    Do Bruno de Menezes na freguesia
    Do bar “O Cachimbo de Aço”
    Pedaço lusotropical da Cidade morena.

    Aqui-agora libertação de todos “negros” da Terra
    Livres pelo poder miraculoso do Mito
    O grito aflito da terra sem males
    Metabolismo físico e metafísico do peixe frito.
    Voz do silêncio na consciência tapuia
    Aleluia! Aleluia! Farinha no prato e peixe na cuia
    Vencer a patranha estranha a qualquer susto.

    Aqui-agora a propalada lenda
    Fazenda das Amazonas imigrantes da Capadócia
    Sócias de Maria Caninana, a mana malvada
    Do pacato Cobra Norato:
    Feitoria hereditária do pesadelo
    Bicho folharal dado em manchete de jornal
    Tudo ou nada, Viração de preço no mercado
    Pela hora da morte do Índio, Preto e Branco
    Exilado
    Confronto do êxodo e as tribos sem-terra perdidas.

    Aqui-agora a humanidade filha da animalidade
    Última fronteira da História: o fim do mundo agora
    Começo do novo Novo Mundo num segundo
    Ou reino de Zeus
    Convertido ao catolicismo ateu dos filhos seus
    Consumados sem pecado abaixo do equador
    No leito do rio
    Onde ecoa a dor de não ser imperador
    Da Terra plena renata
    Em prosa e verso d'além rios e mares singulares
    Travessia de todos os bares da zona tórrida
    Das regiões antípodas.
    Sabiam disto tudo as estrelas desde o caos
    Até o tralhoto-caruana sem fama
    Na ínfima água rasa na lama marabaixo
    A traça da bíblia mais antiga sabia de cor
    Mais do que o sabio tapado por cega Fé
    A praia deserta disserta sobre o fiat lux
    No espelho da lua nua
    Urubu-rei nas alturas desenha futuros vôos
    Desdenha do pum cósmico, caçoa do bing bang.
     
    Aqui-agora o grande espírito da matéria-prima
    Verbo do barro sublimado na cerâmica
    Alquimia da paixão e obra humana
    Grito neolítico: figura e fundo da paisagem.
    Ave pernalta esperta espeta peixe do mato
    Sem cachorro-do-padre, jeju e apaiari gordo
    Tanto tamuatá fóssil vindo a lume
    Pelo fio do paradoxo
    Gemia a Terra-mãe em trabalho de parto
    Pandora abria a selva em agonia
    Agitavam-se baquianas
    Transe excitado por curupiras e bichos do fundo
    Acontecimento o mais estúrdio.

    Aqui-agora chegada da primeira gente
    Por mares e rios nunca dantes
    O bucho ovado da Cobragrande
    Peixinhos meninos miúdinhos
    Viraram gente nas cabeceiras do igarapé
    Ao pé das nuvens raptadas pelo sol
    Demoraram por caminhos de espinho
    Malmente abertos à ilharda de carreiro de bichos
    O mangal plancentário.

    Aqui-agora a marcha vagarosa, um rio de sangue
    Entre a vida e a morte
    Primeiro ato do renascido entre fezes e urina:
    Chorar e mamar devagar…
    Peito do feito primata da primeira gente da mata
    Comer tal qual fera no presépio da biosfera
    Comer p'ra crescer e aparecer de fato dentro do mato.

    Aqui-agora gente comendo e fazendo gente
    A comer tudo que aparecer à frente
    Dançando a dança do peixe, pirapuracéia
    A trás do de comer até morrer
    Pela fé da mucura na saga obscura
    Fálica retorta a escrever certo pela fala torta
    Pulsão da memória ancestral
    Autoria primordial da pintura rupestre.

    Aqui-agora sóis e luas a povoar o espaço vazio
    O horror barroco: o cio da terra e da água pura
    Aventura sexuada da cobra grande Boiúna
    Navio encantado
    Ou a arca do velho Noé
    Baleia mítica do profeta Jonas
    Dilúvio para sempre na peleja infinita
    O animal e o divino inseparavéis
    Como o dia e a noite a rolar no tempo
    Mágica serpente madrinha e mestra da gente
    Inteligente como o diabo Jurupari
    Espirito que fala e ri pela boca do pajé
    Zonas úmidas nas baixas latitudes do planeta.

    Aqui-agora o Zen bubuia
    Grande artéria da terra verde e o céu azul
    Caminho de gente da ilha grande do fim do mundo
    Odisséia planetária:
    Passado e futuro nascidos no escuro
    A primeira noite do mundo
    Escondida num caroço de tucumã
    Vulgar astrocarium mais preto que a escuridão.

    Aqui-agora o império do trabalho escravo
    A fazer um dia sem fim: sol a pino na eternidade.
    Ai de mim, ai de ti caboco! O dia eterno.

    Paresque o inferno no 'Inferno Verde'…
    Um sol insano deste tamanho
    Um grande olho abrasador que tudo vê
    Sabe tudo antes mesmo de acontecer.
    Então esta gente tomou juízo e inventou o Paraíso
    Inaugurou a arte da magia e poesia
    E descansou todos os dias
    À sombra da revolução da Preguiça:
    A pintar e bordar sob aquele céu oculto
    Por tonta luz
    Precisava casar o arcaico e prosaico barroco
    Co' a novidade surreal dos novos trópicos.

    Aqui-agora se manifesta a primeira noite do mundo
    Na Terra sem mal:
    Abolição do trabalho insano, o dano da fome, doença
    Velhice e morte:
    Desmascarar as cinco faces da Miséria.

    Aqui-agora a Paricuria renascida, irmã dos Marajós
    Sucessores dos primitivos Mayé
    Inventores da arquitetura mais bonita em palafita
    Beira-mar do mangal de Maracá:
    Senha e passaporte da americanidade primeva
    Nascida do oco do mundo em segredo no Rio Negro
    Cacicado de Anakayuri na confederação do equador
    De Trinidad e Orenoco até aqui
    Passando à ilha do Maranhão e delta do Parnaíba.
    Assim Pinzón pisou a ilha grande, ano 1500
    Contracosta de Marinatambalo: Analau Yohynkaku dos aruã, Marajó tupi
    Tempos da vela de jupati, zarabatana de paxiúba
    Dardos de patauá envenenados de curare
    Tempos a enfrentar o inimigo tupinambá
    E o invasor branco cariuá.
    Memorial dos trinta e seis negros da terra
    E a mucura
    Animal monstrosum levados embora mar afora.

    Aqui-agora começa a verdadeira estória da invenção das Amazônias
    No país do pau Brasil pela fé da Mucura.
    Diferentes em tudo dos filhos da Loba romana
    Aqui a Ilha grande dos Yona, filhos da mucura
    Aprendizes da jararaca Bothropos marajoensis
    Animal totêmico que ensinou o mistério da vida e da morte
    No ministério da peçonha e remédio forte
    Do cabo Norte.
    A terceira margem do rio-mar
    Folia de São Sebastião do Araquiçaua anunciando chegada
    Dos turcos encantados, código secreto do tambor de Mina
    Alucina e atiça o transe das amazonas no festival do Muiraquitã.
    Mazagão se aninha à ilharga do Macapá em marabaixo
    Mouros e cristãos de São Tiago em batalha metafísica
    Pelejas sincréticas e antropoéticas rio acima:
    Mestiçagem de corpos e espíritos

    Aqui-agora se refaz a velha História…
     

    Belém do Pará, 8 de março de 2008

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