Vive-se um tempo de crenças velhas, de deuses enfastiados, cooptados pelos sacerdotes do imediato e do consumo. Cadê a glória de ser homem, a espécie triunfante que mirava horizontes? Cadê os dedos róseos da aurora de Homero, os mares nunca dantes navegados de Camões? Afastados da capacidade de sonhar, caminham entorpecidos. Uns pelas drogas mesmo. Outros, pela ganância. Precisam ser médicos, dentistas, engenheiros, lobistas, políticos, milionários. Dispensados de ser gente. Cadáveres que procriam, odeiam o que são, a raça de onde vieram. Enchem as clínicas de reparação, das plásticas. Retirar as rugas, porque elas já não sinalizam experiência e honra. Pintar os cabelos, porque a velhice envergonha. Não levam com ela mais que uma conta bancária, um marca-passo, uma bomba de insulina ou uma caixa de Prozac. Já não vivem. São negócios. Fora disso, apenas óbitos sem choro nem vela. Desesperam-se com a máscara roída e querem um new look, brilhante como uma Mercedes, o Rolex, a televisão de plasma com conexão digital. Belos e andrógenos como as linhas de seu iate ou de seu jatinho. Formas de agüentar a vida bolorenta, de desviar a atenção da morte. A Ciência acrescenta alguns dias, meses ou até anos a vidas esgotadas, uma sobre vida. Mas nada consegue encher corpos mortos de alguma generosidade, de algum tônus, que não seja o miserável apego ao precário, ao perecível. De todas as formas de morrer, conservadas de antigamente, ou inventada pelos modernos meios, nenhuma é mais eficiente do que matar crianças. Ansiamos por uma morte radical. Cortar a raiz da vida e da esperança. Já não se dorme com os gritos das crianças atiradas nos entulhos, nas lagoas, nos vasos sanitários. Arrancadas dos ventres quando apenas pulsam num esforço para seguir adiante. Clamor de crianças torturadas, de jovens esquartejadas. Conheci mulheres que criaram 10, 12, até 20 filhos. Nenhum foi jogado na lixeira. O filho era, então, uma bênção. Na panela que comem 5 comem 10. A panela maior era a do amor, do sacrifício, quando a espécie ainda tinha vitalidade de reconhecer as estações, desfrutar do sol e celebrar os frutos da terra. Hoje o filho é um trambolho que toma dos pais e mães o tempo do ócio, do prazer, do uso do corpo para a satisfação da carne. Afinal, encontrou-se um meio de acelerar a própria extinção. Vasectomizando os homens, esterilizando as mulheres, em seus úteros e em seus atávicos instintos maternais. Assim não serão incomodadas pelos vagidos das gerações descartadas, nem do choro de menininhos sem nome e sem origem, deixados nas calçadas, pendurados em torturas medievais, ou esquartejados e espalhados. Na verdade, o mundo não está precisando de tantos políticos, tantos técnicos, tantos milionários, tantos guerreiros e fabricantes de guerra. O mundo precisa de mãe, urgentemente. Como diz o poeta M. Konder Reis: “A paz não vira em forma de pomba, martelo e foice, /ou chuva de dólares; /a paz virá em forma de berço;/ a minha mãe, a tua mãe, /serão as matrizes da paz.”
O mundo precisa de mãe
Vive-se um tempo de crenças velhas, de deuses enfastiados, cooptados pelos sacerdotes do imediato e do consumo. Cadê a glória de ser homem, a espécie triunfante que mirava horizontes? Cadê os dedos róseos da aurora de Homero, os mares nunca dantes navegados de Camões? Afastados da capacidade de sonhar, caminham entorpecidos. Uns pelas drogas mesmo. […]
POR: Aidenor Aires
∙Notícias Relacionadas
-
Freud e Marx: conexões e divergências na busca pela compreensão humana
Entenda como Freud e Marx abordaram a história, a economia e a psique humana, destacando suas convergências e divergências na busca por uma visão científica da sociedade e da transformação humana
-
Desigualdades regionais no Brasil são um desafio histórico e contemporâneo
Entenda as raízes históricas e como políticas públicas e reformas estruturantes podem modificar o cenário de disparidades entre entre Sul/Sudeste e Nordeste/Norte/Centro-Oeste.
-
Utopia do estado mínimo traz impactos sociais na Argentina
Entenda como o antiestatismo da burguesia liberal, personificado por figuras como Milei na Argentina e ideólogos como Eugenio Gudin no Brasil, promove a redução do Estado e seus efeitos devastadores na economia e na sociedade, ampliando a pobreza e a desigualdade
-
Capital Digital-Financeiro: como as Big Techs monetizam dados e exploram o trabalho informacional
Análise remete a Karl Marx para explicar como plataformas como Google e Instagram monetizam dados de forma semelhante ao capital portador de juros e como os algoritmos exploram o trabalho informacional de bilhões de usuários
-
Seguem afiados os dentes do fascismo
Cida Pedrosa reflete sobre o avanço da extrema-direita no mundo, os reflexos no Brasil, a organização da resistência e a luta por um futuro plural e democrático
-
Trump e Gaza: o apoio do empreendedor ao projeto colonial e genocida de um século
Presidente dos EUA endossa o plano de expulsão dos palestinos e a "gentrificação" de Gaza. Saiba como o sionismo político e as potências internacionais têm impulsionado a colonização da Palestina
Usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação,veicular anúncios ou conteúdo personalizado e analisar nosso tráfego. Ao clicar em “Aceitar tudo”, você concorda com o uso de cookies.