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    Comunicação

    Todas as vidas

    Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado, acocorada ao pé do borralho, olhando pra o fogo. Benze quebranto. Bota feitiço… Ogum. Orixá. Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo… Vive dentro de mim a lavadeira do Rio Vermelho. Seu cheiro gostoso d'água e sabão. Rodilha de pano. Trouxa de roupa, pedra de anil. Sua coroa verde […]

    POR: Cora Coralina

    Vive dentro de mim
    uma cabocla velha
    de mau-olhado,
    acocorada ao pé do borralho,
    olhando pra o fogo.
    Benze quebranto.
    Bota feitiço…
    Ogum. Orixá.
    Macumba, terreiro.
    Ogã, pai-de-santo…

    Vive dentro de mim
    a lavadeira do Rio Vermelho.
    Seu cheiro gostoso
    d'água e sabão.
    Rodilha de pano.
    Trouxa de roupa,
    pedra de anil.
    Sua coroa verde de são-caetano.

    Vive dentro de mim
    a mulher cozinheira.
    Pimenta e cebola.
    Quitute bem feito.
    Panela de barro.
    Taipa de lenha.
    Cozinha antiga
    toda pretinha.
    Bem cacheada de picumã.
    Pedra pontuda.
    Cumbuco de coco.
    Pisando alho-sal.

    Vive dentro de mim
    a mulher do povo.
    Bem proletária.
    Bem linguaruda,
    desabusada, sem preconceitos,
    de casca-grossa,
    de chinelinha,
    e filharada.

    Vive dentro de mim
    a mulher roceira.
    – Enxerto da terra,
    meio casmurra.
    Trabalhadeira.
    Madrugadeira.
    Analfabeta.
    De pé no chão.
    Bem parideira.
    Bem criadeira.
    Seus doze filhos,
    Seus vinte netos.

    Vive dentro de mim
    a mulher da vida.
    Minha irmãzinha…
    tão desprezada,
    tão murmurada…
    Fingindo alegre seu triste fado.

    Todas as vidas dentro de mim:
    Na minha vida –
    a vida mera das obscuras.

     

    Poemas dos becos de Goiás e estórias mais
    Cora Coralina
    Global Editora – 14ª edição, 1987
     

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