O centenário de nascimento de Caio Prado Júnior, completado em 2007, foi uma oportunidade pouco aproveitada para debater seu papel, sua trajetória política e intelectual e sua obra.
Um fruto tardio destas comemorações é o livro recém-lançado pela Editora Boitempo, Caio Prado Júnior, o Sentido da Revolução, de Lincoln Secco.

Secco é professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo onde estudou letras e história e fez mestrado e doutorado em História Econômica. É autor dos livros Gramsci e o Brasil e A Revolução dos Cravos.

Caio Prado Júnior foi um homem complexo e não é simples para o biógrafo encontrar o modo de apreendê-lo em sua totalidade. Lincoln encontrou o elemento que unifica o homem e a obra, em sua trajetória pessoal e intelectual: a militância política de Caio Prado. Perceber isso foi o principal trunfo do autor, porque permite-lhe atingir um Caio Prado total.

Como o autor demonstrou, o intelectual, que articulava com enorme facilidade as facetas de historiador, geógrafo, economista e filósofo, o fazia sempre na busca por entender o Brasil para modificá-lo. É provável que a formação gramsciniana de Secco tenha contribuído para que ele conseguisse desvendar este Caio Prado essencialmente político.

Ao encontrar esta chave interpretativa, Lincoln não deixou de ver as outras facetas da atividade de Caio Prado Júnior. Pelo contrário, ao perceber que a militância era o ponto nodal da vida do biografado, o autor conseguiu um mirante excelente para enxergar as demais dimensões da atividade de Caio Prado Júnior.

A pesquisa de Lincoln contribui também para desmistificar a relação de Caio Prado com o partido comunista. O autor mostra que, salvo momentos especiais, a relação do biografado com seu partido foi relativamente harmônica. Segundo Secco: “ Não idealizemos, portanto, o marxismo de Caio Prado Júnior. Ele era um comunista com todo o peso ‘ontológico’ que a palavra carregava” (…) “ Ser comunista era ser membro do partido e aceitar o modelo do socialismo vigente. Quanto a isso não há dúvida de que Caio Prado Júnior aceitou o modelo soviético sem questionamentos”.

Mais adiante o autor sustenta que, ainda que a interpretação de Caio Prado sobre o Brasil fosse mal vista pela direção do partido, seria ingenuidade acreditar que o PCB, em sua fase mais obreirista, o tivesse aceitado como vice presidente da ANL em São Paulo em 1935, ou como candidato por duas vezes na década de 1940 se não confiasse nele.

Caio Prado sentia falta de um ambiente intelectual mais forte dentro do partido, se ressentia da ausência de uma interpretação menos esquemática do Brasil, mas via estes defeitos como características do grau de desenvolvimento da nação, e não como um problema específico dos comunistas. Ao mesmo tempo, admirava a dedicação dos militantes comunistas ao partido e à causa revolucionária, além de ter tido, como comunista, a oportunidade de conhecer o proletariado e sua luta. Quando divergências com o partido apareceram e se agravaram, Caio Prado se esforçou em recuar e evitar a ruptura, tendo permanecido ligado aos comunistas até o final da vida.

Outra faceta interessante apresentada pelo autor é a do período em que o biografado foi parlamentar na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Secco demonstra como a atuação de Caio Prado foi propositiva e de auto nível, indo além da simples denúncia do parlamento, “leitura extemporânea do leninismo”. A afirmação feita no livro que ficou merecendo melhor demonstração é a de que Caio Prado teria ganhado maior dimensão da importância dos problema mais concretos do país com o exercício do mandato. Em 1947, quando assumiu o mandato, ele já era militante comunista há mais de quinze anos, tendo, portanto, contato próximo com a população mais pobre.

Outra tarefa encarada por Secco é a de estudar a obra de historiador de Caio Prado. Para além de “encaixar” a obra de Caio Prado Júnior no contexto de sua época, e de ressaltar sua importância, Secco passa em revista, com grande habilidade, os questionamentos sofridos pela obra do autor nos dias de hoje. Além de inventariar as polêmicas mais importantes, oferece sua análise sobre cada uma delas.

A obra de Lincoln Secco transformar-se-á em referência obrigatória para os que querem entender a luta e a obra de Caio Prado Júnior.

Julio Vellozzo

EDIÇÃO 98, OUT/NOV, 2008, PÁGINAS 81