No sábado (28), o candidato direitista disse que Dilma está sentando na cadeira um mês antes da eleição. No mesmo dia, Serra garantiu a militares da reserva e reformados, em palestra no Clube da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, que o governo Lula é igual ao de João Goulart, deposto no golpe de 1964, referindo-se a “uma república sindicalista”. “Em 64, não sei se os senhores já estavam nas Forças Armadas, mas uma grande motivação da derrubada de Jango era a idéia, equivocada, de uma ‘república sindicalista’. Não tinha menor possibilidade, tal a fraqueza (do governo)… Mas eles (governo Lula) fizeram agora uma república sindicalista. Não pelo socialismo, estatismo, mas para curtir”, trovejou.

Serra também andou pelo terreno pantanoso das acusações de “loteamento de cargos na administração pública” e do debate sobre a Lei da Anistia. “Quase a totalidade da administração pública está tomada, na prefeitura de São Paulo também era assim. O PT tem características, sem ironias, de ocupação militar. É um Exército que tem que ser acomodado. Tudo é hierarquizado, loteado”, disse.

Sobre a Lei da Anistia, Serra afirmou que “eles (governo) reabriram a questão (…), que ao meu ver é um equívoco”. “Uma coisa é o conhecimento do que aconteceu… A lei pegaria a gente dos dois lados”, enrolou. Perguntado sobre por que não citava o “sucesso” do Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e as privatizações “bem sucedidas” na “era neoliberal”, e por que Fernando Henrique Cardoso (FHC) não participava mais ativamente de sua campanha, Serra afirmou que são temas que “não comovem a população”.

Visto temporário para o mundo da ética

Esse brevíssimo resumo do pensamento do candidato da direita permite constatar que se alguém disser que não consegue enxergar o que seria o Brasil com ele na Presidência da Republica está mentindo. Serra e sua trupe se entregaram à busca desenfreada e desqualificada de fofocas, pseudofatos, pontos de vista e pontos sem vista. Eles não podem sequer apresentar FHC como fiador do projeto da direita porque seria instalar na campanha um retrovisor que mostra um cenário dantesco.

Esse tipo de política adotado por Serra dá cartaz nas páginas do noticiário, mas não consegue ocultar algo fundamental: poucas vezes um governo brasileiro teve a sorte de enfrentar inimigos tão desqualificados como os que enfrenta hoje. Munidos de um visto temporário para o mundo da ética, esses personagens levaram a opinião pública a uma conclusão: se eles estão contra a candidatura de Dilma Rousseff, ela só pode ser coisa boa. A tentativa de desgastar a sucessora de Lula foi, desde o início, uma campanha sem idéias e sem argumentos. Além e acima disso, deixou uma constatação que vale a pena anotar: trata-se de uma campanha golpista, que será recorrente em uma eventual presidência de Dilma Rousseff.

Debater com Serra é perda de tempo. É apavorante constatar como seus argumentos são rudimentares. Com esse comportamento, a sua quase certa derrota levará a direita a recrudescer suas práticas golpistas. O labirinto de Serra tende a se complicar. Mesmo porque, depois de oito anos de governo Lula ficou mais fácil distinguir ideologia de ignorância. A ignorância pode ser bem-intencionada, santificada mesmo, diria Nelson Rodrigues num dia cáustico. A ideologia é uma ação consciente. E as manobras de Serra são facilmente identificáveis com a ideologia da direita.

A cena política nacional vive nesta situação: a ideologia conservadora, que nada tem de santificada, enfrentando a maioria da sociedade. A lembrança de 1964 por Serra é um despertar das “forças ocultas” invocadas por Jânio Quadros quando ele renunciou à Presidência da República, no dia 25 de agosto de 1961. "Forças terríveis levantaram-se contra mim e intrigam ou difamam, até com a desculpa da colaboração", escreveu ele. Jânio Quadros disse que "baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, o único que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito seu generoso povo".

Condecoração a Che Guevara

Jânio Quadros nunca se ligou realmente a partido nenhum, mas fora eleito pela UDN — o que é um bom fio da meada. Quando ele recebeu a faixa presidencial de Juscelino Kubitschek, em 1961, ato contínuo descompôs o presidente que deixava o cargo com um discurso furioso ao anunciar inquéritos para apurar "corrupção" na gestão anterior. Era uma peça bem ensaiada com seus chefes udenistas: a utilização da pecha da "corrupção" contra Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek havia conquistado alguma simpatia entre as classes intermediárias. Essa bandeira foi decisiva para levar Jânio Quadros à Presidência da República.

Sua derrocada decorreu da política externa do seu governo. O Brasil apoiou a discussão sobre a participação da China nas Nações Unidas e chegou a anunciar que estava estudando o reatamento das relações com a União Soviética, rompidas desde 1947. A gota d’água foi a condecoração da Ordem do Cruzeiro do Sul oferecida a Che Guevara. Jânio Quadros já havia se afastado de qualquer controle da UDN e buscava uma aproximação com as correntes nacionalistas. Daí para a crise política criada pelas "forças ocultas" que o levou à renúncia foi um passo.

Nos dias atuais, há um fato novo na vida brasileira. Novos atores entraram em cena. O Estado passou a atender novos interesses. Passou a favorecer mais segmentos sociais ou simplesmente conviver harmoniosamente com forças novas e mobilizadas. Todas essas contradições, evidentemente, provocam reflexos na vida política.

Conflito de interesses fundamentais

Houve um amadurecimento nas relações sociais, com as classes definindo melhor os seus campos e mobilizando-se para a defesa de seus interesses — seja intervindo na escolha eleitoral e na composição das forças que constituem o poder, seja ocupando espaços na sociedade. Do ponto de vista da integração social, portanto, o Brasil segue por caminho com paradas obrigatórias: reforma agrária, fortalecimento do Estado, desenvolvimento da economia, remoção de monopólios privados em setores estratégicos, incentivo aos investimentos na produção.

As forças populares revelaram sua capacidade de inserção em grandes camadas da sociedade e conquistaram posições importantes — demonstrando seu potencial para operar transformações profundas no país. A grande responsabilidade nesta questão cabe, sem dúvida, às correntes progressistas mais conseqüentes. O desafio é transformar essa força em um movimento que expresse claramente os interesses gerais da nação. Os conservadores sabem que essa iniciativa pode unificar, no plano político, a consciência progressista de grande parte da sociedade e trabalham para desmobilizá-la

Existe um grande esforço do tucanato e seus aliados para vender a versão de que as eleições que se iniciam em 3 de outubro não representam um choque entre estas correntes radicalmente opostas e que a "democracia" precisa de um "equilíbrio partidário" para que um "partido" não se torne hegemônico. Mas só quem está munido de viseiras dogmáticas não enxerga os reais interesses em negar que este conflito de interesses fundamentais está sendo o divisor de águas desta campanha eleitoral.

Nova estratégia política

Mesmo onde prevalecem competições aparentemente em torno de pessoas ou de interesses de grupos, sem qualquer conteúdo programático diferenciado ou sem relação visível com os problemas nacionais, a disputa no fundo expressa estas tendências — não há grupos políticos que não reflitam, direta ou indiretamente, as aspirações das duas grandes correntes opostas. Nem sempre a unidade eleitoral das forças governistas se cristalizou suficientemente. Não se deve, por isso, identificar as coligações em cada Estado com todo o conjunto de forças que estão de um ou de outro lado da contenda histórica entre progressistas e conservadores.

As questões secundárias tornaram muitas vezes inviável a unificação de todas as correntes governistas ou oposicionistas em torno de candidaturas comuns. Onde estas forças se dividiram no apoio a candidatos opostos, é evidente que a contradição fundamental não aparece claramente. Ao se analisar o resultado das pesquisas, portanto, deve-se ter em conta as características dos partidos no Brasil e não tomar cada sigla como expressão global e unitária de determinada posição política. Muitos partidos abrigam interesses sociais e políticos contraditórios, resultado de regionalismos e até personalismos. 

Já o tucanato vem executando uma nova estratégia política, arquivando temporariamente a bandeira neoliberal — que saiu esfarrapada e desmoralizada das disputas de 2002 e de 2006. Mas sabemos que a elite brasileira não adota, desde sempre, a democracia como mola mestra para o seu projeto. E também não assume ou honra compromissos entre os participantes do jogo democrático.

Sofismas de Serra

Recentemente, Serra disse que, "numa perspectiva republicana, o governo é para servir às pessoas, não aos partidos". Há nessa afirmação dois sofismas que revelam a essência da nova estratégia política dos conservadores. O primeiro é a deliberada generalização das "pessoas" a quem um governo republicano deve servir prioritariamente. Contra os conservadores pesa a tradição republicana, que é essencialmente progressista — nenhum presidente da República elegeu-se com o voto popular prometendo claramente defender interesses elitistas. Em nossa história, existem muitos exemplos de governos odiados pelo povo por prometer uma coisa e fazer outra.

Existem também os que foram golpeados pela violência das forças reacionárias como resposta à concretização de compromissos com os interesses nacionais. Essa prática recorrente da elite brasileira reflete a lógica da luta pela sobrevivência dos ideais conservadores frente às aspirações populares. Toda a nossa história mostra que a República é vista pela ampla maioria da sociedade como a negação do conservadorismo e sinônimo de independência nacional — um movimento que surgiu com Tiradentes e seus companheiros em 1789, com os Alfaiates em 1798, com os republicanos do Nordeste em 1817 e 1824, inspirado nas idéias da Revolução Francesa e da Independência Americana, e que marcou profundamente o século XX.

O segundo sofisma de Serra é a tentativa demagógica de negar que os partidos são expressões de classes sociais. Se há interesses antagônicos em uma sociedade, como é o caso brasileiro, há também a disputa política expressa por meio do embate entre os partidos que refletem as concepções de um ou outro conjunto de forças sociais. Numa perspectiva republicana, portanto, governos democráticos levam a sério o papel dos partidos. A negação desta obviedade por Serra implica, em última instância, em cercear a manifestação democrática do povo — prática comum dos defensores do regime neoliberal.

Leque de possibilidades

Os liberais sempre procuram fundamentos doutrinários para empurrar os adversários ideológicos para fora da liça. Eleições livres e limpas, em que todas as pessoas votam, todos os votos têm peso igual e todos os eleitores podem ser votados — com as exceções determinadas por uma Justiça justa —, não são, para eles, critérios intrínsecos à democracia. Eles tentam induzir o eleitor a não levar o voto a sério. Querem que ele o venda — junto com o futuro dos seus filhos.

Na contramão deste movimento no Brasil, está a política propriamente dita, o debate partidário que se estabelece no país. A existência de uma esquerda atuante ao longo da nossa história republicana confere uma coloração politizada aos debates eleitorais. Chegamos, portanto, à grande esquina histórica brasileira. Nossa capacidade produtiva está, nesse primeiro momento, entre a pressão da crise mundial do capitalismo com suas montanhas de dívidas — que cobra seus juros e encargos às custas de enormes sacrifícios dos povos — e as potencialidades do desenvolvimento nacional.

É sobre essa segunda opção que aqueles cuja visão do futuro não está confinada ao pensamento neoliberal fixam suas esperanças. A construção de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento pressupõe dialogar com todos os setores que não querem mais seguir pelo caminho neoliberal. É preciso, portanto, não varrer ninguém para debaixo do tapete. O projeto progressista deve alargar ao máximo o leque de possibilidades de apoio e garantir um lugar digno a cada segmento que se dispõe a caminhar por esse novo rumo. Só assim conseguiremos vencer as barricadas da direita, que sem dúvida serão erguidas em um eventual governo Dilma Rousseff.