José Alencar, no programa "Roda Viva", da TV Cultura de São Paulo


José José Alencar homenageado na Fiesp

O ex-vice foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na segunda-feira, com um quadro de suboclusão intestinal, em "condições críticas". Ele havia recebido alta em 15 de março, após uma internação de mais de um mês na instituição devido a uma peritonite (inflamação da membrana que reveste a cavidade abdominal) por perfuração intestinal.

Nascido em 17 de outubro de 1931, José Alencar foi o 11º filho de um total de 15 do casal Antônio Gomes da Silva e Dolores Peres Gomes da Silva. O ex-vice-presidente nasceu em um povoado às margens de Muriaé, cidade de 100.063 mil habitantes no interior de Minas Gerais. José Alencar era casado com Mariza Campos Gomes da Silva e deixou três filhos reconhecidos: Josué Christiano, Maria da Graça e Patrícia.

Ele começou a trabalhar aos 7 anos, no balcão da loja do pai. Em 1946, aos 15, deixou a casa da família, na zona rural, para trabalhar como balconista em uma loja de tecidos da cidade. Dois anos depois, em maio de 1948, José Alencar mudou-se para Caratinga, onde conseguiu emprego como vendedor. Ao completar 18, em 1950, Alencar abriu seu próprio negócio, com a ajuda de um dos irmãos. Em 1967, em parceria com o empresário e deputado Luiz de Paula Ferreira, fundou, em Montes Claros (MG), a Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas), hoje um dos maiores grupos industriais têxteis do País.

Nos anos seguintes, José Alencar foi presidente da Associação Comercial de Ubá, diretor da Associação Comercial de Minas, presidente do Sistema Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais e vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria.

Estabelecido no setor empresarial, candidatou-se para o governo de Minas em 1994 e, em 1998, disputou uma vaga no Senado Federal, elegendo-se por Minas Gerais com quase 3 milhões de votos. No Senado, foi presidente da Comissão Permanente de Serviço de Infraestrutura, membro da Comissão Permanente de Assuntos Econômicos e membro da Comissão Permanente de Assuntos Sociais.

Embora tenha se caracterizado como a principal voz dissonante do governo Lula em relação à política de juros ao longo dos oito anos de mandato, sua inclusão na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 foi decisiva para que o petista conquistasse o apoio do empresariado e, pela primeira vez, a Presidência do País.

A presença de Alencar foi decisiva na vitória de Lula ao angariar o apoio do empresariado, desconfiado com a possibilidade de um presidente da República sindicalista. Em 2004, Alencar passou a acumular a vice-presidência com o cargo de ministro da Defesa, função que exerceu até março de 2006. Em 2007, assumiu o segundo mandato como vice-presidente após ser reeleito, novamente, ao lado de Lula.

Alencar se desligou do Partido Liberal (PL) em 29 de setembro de 2005, após a crise envolvendo o nome de seu sobrinho Daniel Freitas, um dos fundadores da DNA Publicidade e falecido em 2002. A DNA, que tem como sócio o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, foi investigada por suposto envolvimento no escândalo do mensalão. Ainda em 2005, juntamente com outros ex-membros do PL, Alencar participou da fundação de um novo partido: o Partido Republicano Brasileiro (PRB).

No tempo em que ocupou o cargo de vice-presidente, José Alencar ganhou os títulos de cidadão honorário dos Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, do Distrito Federal e de 53 municípios brasileiros, sendo 51 deles em Minas Gerais.

Juros

Desde o início do primeiro mandato, o empresário foi voz discordante da política econômica do governo Lula, comandada então pelo ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Mudou o titular da pasta, assumiu Guido Mantega, mas não o discurso de Alencar. Ao longo de oito anos, sua posição pela queda na taxa de juros foi tão ferrenha que se tornou uma marca registrada.

Tanto que, ao comentar o bom estado de saúde do então vice após a cirurgia de 17 horas a que ele se submeteu em janeiro de 2009 – a mais complexa que enfrentou na luta contra o câncer -, o então presidente Lula afirmou, em tom de brincadeira: "tenho certeza de que a primeira palavra dele será para pedir a redução da taxa de juros".

Câncer

Alencar lutou contra o câncer desde 1997, quando, após um check-up, foi encontrado um tumor no rim direito e outro no estômago, retirados naquele mesmo ano. Em 2000, uma nova cirurgia retirou um tumor na próstata. Depois da remoção de outros nódulos no abdome, Alencar foi diagnosticado com câncer no intestino.

Em janeiro de 2009, ele enfrentou cerca de 17 horas de operação para a retirada de nove tumores na região abdominal. Na mesma cirurgia, os médicos retiraram parte do intestino delgado, outra do intestino grosso e uma porção do ureter, canal que liga o rim à bexiga. Alencar chegou a ficar internado 22 dias após a operação.

Internação antes do 2° turno e infarto

Alencar foi internado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, no dia 25 outubro de 2010, a menos de uma semana do segundo turno das eleições. O ex-vice deu entrada na instituição com quadro de suboclusão intestinal, um entupimento parcial do intestino. Por estar hospitalizado, Alencar não pôde registrar seu voto no pleito, que encerrou com a vitória da petista Dilma Rousseff.

No dia 11 de novembro, Alencar se sentiu mal no hospital e foi diagnosticado um infarto agudo do miocárdio. Ele foi submetido a um caterismo, mas os médicos não encontraram obstruções arteriais importantes. O então vice ficou internado até 18 de novembro.

Hospitalizado, Alencar perde posse de Dilma Rousseff

Após outra internação e da 16ª cirurgia no final de novembro, Alencar voltou ao Sírio-Libanês em 22 de dezembro de 2010, com um sangramento intestinal grave. Apesar dos procedimentos que controlaram a hemorragia e da insistência do então vice em acompanhar a transmissão de cargo de Lula para Dilma Rousseff, os médicos não permitiram a viagem até Brasília.

Homenagem no aniversário de São Paulo

Em 25 de janeiro de 2011, quando a capital paulista completou 457 anos, Alencar recebeu a Medalha 25 de Janeiro, uma homenagem da prefeitura, das mãos da presidente Dilma Rousseff. O ex-vice deixou o hospital, com autorização da equipe médica, somente para a cerimônia.

Visivelmente emocionado, Alencar afirmou que fazia um discurso "de coração" e que está "vencendo as dificuldades". "Eu tinha um texto preparado no bolso, mas resolvi falar do coração. Ainda que (as dificuldades) sejam fortes, estamos vencendo. Quem fica num hospital esse tempo (90 dias, segundo seus cálculos), tem muitas reflexões… Se eu morrer agora, é um privilégio, porque é tanta gente torcendo por mim… Se eu morrer agora, tá bom demais", disse. O evento contou com a presença do ex-presidente Lula.

__________

Ministros

O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, se emocionou ao receber informação da morte de Alencar. Por alguns segundos a voz ficou embargada. Refeito do impacto que a notícia provocou, Carvalho manifestou o carinho por José Alencar.

À noite, ministros da presidenta Dilma Rousseff divulgaram notas de pesar pelo passamento do ex-vice-presidente.

Veja:

"José Alencar deu muitos exemplos ao Brasil e aos brasileiros. Deu exemplo de determinação para superar a infância pobre; exemplo de amor ao país como senador, ministro e vice-presidente da República; e finalmente um grande exemplo de fé durante sua luta incansável pela vida. Que os exemplos desse grande brasileiro sirvam de inspiração para todos nós."

Luiz Sérgio, ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.

"Foi com profundo pesar que recebi a notícia do falecimento do ex-vice-presidente da República, José Alencar, ocorrida nesta terça-feira (29/3), às 14h41.

O ex-vice-presidente virou símbolo de coragem para o país ao dar exemplo de determinação e serenidade. José Alencar era um guerreiro que, ao longo de sua trajetória, conquistou a admiração de todos os brasileiros. Certamente o Brasil está muito triste ao perder um grande patriota, que deixou seu nome na história brasileira.

Neste momento de dor, transmito meus sentimentos a todos da sua família."

José Eduardo Cardozo, ministro de Estado da Justiça.

"A vida pública brasileira perde um ícone da nossa melhor política, aquela com pê maiúsculo. Empresário e político, ele foi um exemplo de determinação, altivez e coragem. É lamentável e triste que o Brasil, sua família e seus amigos tenham de enfrentar tal perda, neste momento, com tanta dor.

Ele foi um brasileiro verdadeiramente identificado com a nossa gente, comprometido com a construção de uma sociedade mais justa, apegado aos nossos melhores valores democráticos. Foi uma honra conhecê-lo e servir ao seu lado no governo Lula. José Alencar permanecerá como uma força de inspiração para todos os brasileiros."

Wagner Rossi, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

"O Brasil perdeu, hoje, um de seus melhores filhos.

José Alencar foi um homem simples, por isso mesmo uma pessoa especial. Um grande companheiro de trabalho que conseguiu levar para o mundo empresarial e para a vida pública os valores que cultivou desde sua origem humilde.

Parte de seu legado está associada ao importante protagonismo que teve nos dois mandatos do governo do presidente Lula. Foi co-responsável pelas conquistas desse histórico período.

Faço questão de manifestar pesar e condolências à família e me solidarizo com os demais cidadãos e cidadãs de nosso país, que agora se unem na emoção da despedida de um valoroso patriota."

Miriam Belchior,ministra do Planejamento.

“O ministro da Saúde e demais dirigentes do ministério da Saúde lamentam profundamente o falecimento do ex-vice-presidente da República José Alencar Gomes, nesta terça-feira (29). O Brasil sofre uma perda irreparável com a morte de um homem público da envergadura de José Alencar, que, para além da trajetória de empresário e político, inspirou todos os brasileiros com sua luta em favor da vida."

Alexandre Padilha ministro da Saúde.

“O Ministério da Educação lamenta o falecimento do ex-vice-presidente José Alencar, ocorrido nesta terça-feira, 29. Alencar foi um exemplo de determinação na luta contra o câncer. Empresário com visão estratégica nos negócios, Alencar atuou na política em defesa do crescimento econômico do país. Em diversas ocasiões, o ex-vice-presidente se manifestou sobre a importância da educação para o desenvolvimento do Brasil. Foi defensor da educação pública de qualidade, da expansão e do fortalecimento da educação profissional.

Mineiro e empresário do setor têxtil, José Alencar Gomes da Silva tomou posse como vice-presidente no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2003."

Ministério da Educação.

"É com pesar que recebemos a notícia do falecimento do vice-presidente José Alencar. É um grande brasileiro que morre, um brasileiro que se dedicou ao país, um grande lutador que deu um grande exemplo a todos os demais brasileiros.

Um homem que começou simples, conseguiu vencer, se tornou um grande empresário e, quando já poderia gozar a vida, resolveu ajudar a democracia brasileira, o povo brasileiro, entrando no política e trabalhando no governo Lula.

Ele engrandeceu o governo, ajudou o governo nas suas realizações e foi um grande companheiro de todas as horas, que vai ser lembrado por todos nós."

Guido Mantega, ministro da Fazenda.

"O País perde uma figura com exemplar história de muita dedicação ao Brasil e à dignidade humana. Maria do Rosário destacou a carreira ascendente de Alencar e a sua perseverança em enfrentar a doença, em cumprir a missão de ajudar a transformar o Brasil, ao lado do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Alencar de menino pobre se transforma num grande empresário, se transforma no vice-presidente da República. Mas acima de tudo se transforma em uma força para todos os brasileiros pela sua fé, pelo seu amor ao Brasil, pela sua defesa da nossa pátria.

Esse sentido humano é o que vai estar presente em todos nós ao homenagearmos José Alencar."

Maria do Rosário, ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos.

“José Alencar sempre será lembrado como exemplo de integridade, trabalho pela sociedade, coerência política, força e amor a vida. É uma perda irreparável. José Alencar foi um dos políticos mais importantes do Brasil e prestou inestimáveis serviços à nossa pátria. Foi um verdadeiro exemplo para o povo brasileiro."

Pedro Novais, ministro do Turismo

__________

Em Coimbra, Portugal, a presidenta Dilma Rousseff lamentou a morte de Alencar. Ao lado do ex-presidente Lula, ela disse que “foi uma grande honra ter convivido com ele”. José Alencar “é daquela pessoa que vai deixar indelével uma marca na vida de cada um de nós
.
“E, além disso, foi presidente da República, junto com o presidente Lula, por mais de oito meses. Por isso nós oferecemos à família o Palácio do Planalto para ele ser velado, na condição de Chefe de Estado, que ele também foi, de Presidente inesquecível do nosso país. A gente, todos nós, estamos muito emocionados, e era isso que eu queria dizer para vocês

A presidenta Dilma e o ex-presidente Lula concederam uma entrevista coletiva no hotel onde estão hospedados naquela cidade portuguesa. A presidenta informou que retorna na manhã desta quarta-feira (30/3) para Brasília, desembarcando no início da noite na capital federal.

Na entrevista, o ex-presidente Lula, transtornado com a morte do amigo e parceiro nos dois mandatos, contou um pouco sobre José Alencar: “Olhe, eu penso que nós não temos muito o que falar, porque o momento é de muita dor e muito sofrimento. Ou seja, vocês que acompanharam o mandato nosso, da Dilma como ministra, do Zé Alencar como vice, vocês sabem que a relação nossa era mais do que uma relação de um vice e um presidente, era uma relação de irmãos e companheiros.”

“Eu tenho falado com ele praticamente toda semana, tenho visitado ele, e o otimismo dele era uma coisa que causava na gente até uma inveja de ver a força que ele tinha. Eu, antes de vir para cá, liguei para ele do carro, eu e Marisa, e falei com ele; ele disse que estava bem, que estava em casa e que ele sabia que, do ponto de vista clínico, ele não tinha mais muita expectativa, mas como era um homem de fé, ele tinha esperança que a fé em Deus iria ajudá-lo”, disse Lula.

_________

O presidente da República, em exercício, Michel Temer, divulgou nota oficial onde manifesta pesar pelo falecimento do ex-vice-presidente da República, José Alencar, ocorrido nesta terça-feira (29/3), em São Paulo.

Veja a íntegra.

Brasília, 29 de março de 2011

O ex-vice-presidente José Alencar Gomes da Silva foi exemplo de luta, perseverança e superação para todos os brasileiros. Mesmo nos momentos de maior sofrimento pessoal, transmitia otimismo permanente e fé inquebrantável. A quem o procurava para oferecer conforto pela dura provação pela qual passava, retribuía com alegria, bom humor e desassombro.

Homem público de valor inestimável, José Alencar teve carreira de sucesso como empreendedor no setor de tecidos e confecções, tornando-se um dos maiores líderes empresariais do país. Tornou-se, ademais disso, conhecido nacionalmente por integrar um governo profundamente comprometido com a justiça social.

A perda de José Alencar é imensa devido à grande estatura que ele alcançou durante sua vida, seja como empresário, seja como político. Sempre de forma irreparável e exemplar. Lamento profundamente a morte desse mineiro que não conhecia fronteiras e acreditou sempre no Brasil. Transmito em meu nome, em nome da presidente Dilma Rousseff nossa solidariedade à família e aos amigos nesta hora triste.

Michel Temer

Presidente da República, em Exercício

_________

Em nota de cinco parágrafos divulgada nesta terça-feria (29), data da morte do ex-presidente da República José Alencar, o presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Renato Rabelo, rende homenagens a esse que era considerado antes de tudo "um patriota", como define o texto. 

Veja a íntegra:

José Alencar, destacado defensor do desenvolvimento nacional

A Nação brasileira perdeu um de seus ardorosos defensores com o falecimento de José Alencar. Se tivéssemos de defini-lo numa só palavra, sem relutar, proclamaríamos: um destacado patriota, um eminente brasileiro. Uma personalidade de relevo que ajudou o Brasil a adentrar e a percorrer um tempo novo.

Na campanha de 2002, convicto de que o Brasil precisava de mudanças, aceitou disputar as eleições presidenciais como candidato a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva. Este fato foi importante para alargar a base de apoio de Lula e viabilizar o engajamento de setores do empresariado na campanha. Desde então, Alencar se torna um grande aliado de Lula, um amigo leal, um coadjuvante valioso, sem o qual é difícil compreender o êxito do protagonista. Por isto, Lula, ao saber da morte de Alencar, assim se referiu sobre o elo que unia os dois: “era uma relação de irmãos e companheiros”.

Quando tomamos conhecimento da notícia de sua morte, fomos tomados pela mesma tristeza que se abateu sobre o povo brasileiro que o respeitava e a quem ele dedicou o melhor de si. José Alencar era um amigo do PCdoB, amizade que tive a honra de cultivar, como presidente do Partido, em variados encontros e contatos e, também, nas solenidades que ele prestigiou a legenda dos comunistas. Em junho último, em Brasília, na Convenção Nacional do PCdoB que oficializou o apoio à então candidata Dilma Rousseff, ele, mesmo adoentado, fez questão de atender ao nosso convite. Naquela oportunidade, mais uma vez disse que às vezes lhe perguntavam: como ele, um grande empresário, tinha um relacionamento político fluente com o Partido Comunista? Alencar, na tribuna de nossa Convenção, disse que essa amizade aparentemente inusitada vinha das afinidades e coincidências entre seus posicionamentos políticos e os do PCdoB. Posicionamentos estes relacionados à defesa da soberania nacional e, sobretudo, acerca da remoção dos obstáculos que travam o desenvolvimento brasileiro.

Tenho na lembrança que, em abril de 2004, escrevi-lhe uma carta acerca do conteúdo de uma entrevista que ele concedera à revista CartaCapital. Alencar desencadeara uma verdadeira cruzada contra o sistemático aumento da taxa básica de juros. Segundo ele, isso “representa, na história do Brasil, a maior transferência de renda de que se tem notícia”, do trabalho, da produção, em benefício do sistema financeiro. Indo além, Alencar, na referida entrevista, colocou o dedo na ferida: “há interesses muito organizados que seguram ao máximo essas taxas em cima”.

Setores da grande mídia pintaram Alencar como uma espécie de Quixote dessa luta contra a política ortodoxa do Banco Central. Na verdade, ele, como patriota, deu importantes contribuições na luta política e de ideias pelo redirecionamento da política macroeconômica. Foi um lúcido e corajoso defensor e empreendedor de um novo projeto nacional de desenvolvimento.

Como cidadão, deu lições de amor à vida e bravura. Filho de família humilde, balconista na juventude, com trabalho e empreendedorismo administrou uma empresa que se tornou a maior complexo têxtil do país. Por treze anos travou uma luta contra o câncer cuja determinação e coragem transmitiram uma pujante mensagem de resistência e paixão pela vida.

Neste momento de dor, transmitimos aos seus familiares nossos sentimentos e as condolências do Partido Comunista do Brasil.

João Guimarães Rosa, outro ilustre mineiro, numa passagem de seu clássico Grande Sertão: Veredas, diz: “E deputado fosse, então reluzia perfeito o Norte, botando pontes, baseando fábricas, remediando a saúde de todos, preenchendo a pobreza, estreando mil escolas”.

Exatamente esta foi a concepção desenvolvimentista de José Alencar: produção e bem-estar do povo. Sua vida e o seu legado irão alimentar a luta pelo desenvolvimento soberano do Brasil que prossegue.

São Paulo, 29 de março de 2011.

Renato Rabelo
Presidente do Partido Comunista do Brasil-PCdoB

_________

Carta enviada por Renato Rabelo, presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em 2004, a José Alencar comentando entrevista concedida pelo então vice-presidente da República à revista CartaCapital.

Segundo Renato Rabelo, logo em seguida à circulação da revista eles se encontraram em uma das reuniões do Conselho Político. Foi nesta oportunidade que Alencar pediu ao presidente do PCdoB fizesse considerações sobre o teor da entrevista. Renato Rabelo escreveu, então, a seguinte carta:

São Paulo, 19 de abril de 2004.

Ao
Vice-Presidente da República Federativa do Brasil.

Prezado José Alencar

Conforme seu pedido, com prazer, rascunhei algumas opiniões acerca da sua oportuna e feliz entrevista à CARTA CAPITAL de 7 de abril.

Sua didática exposição e solidez de opiniões e conceitos nessa entrevista trazem importante contribuição ao debate que cresce e se amplia sobre uma política macroeconômica que viabilize a retomada efetiva de forte desenvolvimento em nosso país, com geração ampla de empregos, tão almejados pelo nosso povo.

A sua apreciação é justa, sem nenhum tom professoral transmite ricos ensinamentos que partem de uma visão nacional, das potencialidades do Brasil e de seu povo contrastando-a com a situação real de que o país, do ponto de vista financeiro, está “encabrestado” e utilizando uma imagem criativa – o “barbicacho” usado para dominar o cavalo, que é mais eficiente ainda que o cabresto – revela a inteireza da dependência a que estamos submetidos. E agrega uma correta conclusão, que muitos omitem ou não têm coragem de afirmar, quando diz que esse regime de taxa de juros astronômica, (não somente a taxa Selic, mas também os spreads bancários), “representa, na história do Brasil, a maior transferência de renda que se tem notícia”, do trabalho, da produção em benefício do sistema financeiro. Indo além, meu caro Alencar, sua entrevista coloca o dedo na ferida: “há interesses muito organizados que seguram ao máximo essas taxas em cima” (Vide o exemplo atual dos relatórios fabricados, segundo seus interesses, pelos grandes bancos norte-americanos fazendo risco país e dólar subirem).

Acredito que seu pensamento apresenta profunda razão, quando exprime, diante da indagação do entrevistador do porquê de tamanha resistência à mudança desse regime de usura e rentismo, que essa resistência “está justamente na cultura” que foi construída. Nós comunistas dizemos que esse paradigma dos juros elevados, como solução única para qualquer tipo de inflação e de garantia da estabilidade monetária atual, faz parte de uma concepção, ou seja, compõe uma ideologia. Promove e se beneficia dessa ideologia “interesses muito organizados”. Seus defensores apresentam esses “fundamentos” como a única solução técnica viável, com ares de cientificidade. Em verdade é mais ideologia do que ciência, não sendo evidentemente a única solução cabível. Por isso, concordamos que a mudança dessa política monetária, que faz parte da orientação macroeconômica vigente, tem uma dimensão maior, exige embate de interesses versus interesses, de idéias versus idéias, de escola versus escola, ou como bem afirma em sua recente entrevista é preciso uma “decisão de certa forma revolucionária”.

Permita-me dizer que o nosso governo de fato encontrou uma pesada herança, uma situação interna de muitos constrangimentos, um país externamente vulnerável, que num primeiro momento a afirmação de credibilidade poderia se justificar in extremis, uma política macroeconômica mais restritiva, confiável aos interesses dos grandes círculos financeiros. Mas opinamos que tal situação não pode perdurar ou ser aprofundada. Acontece que o nosso governo vai se tornando refém dos “interesses muito organizados que seguram ao máximo as taxas juros em cima”, resultando disso, uma composição no Ministério da Fazenda e no Banco Central de equipes de uma só “escola”, com uma só “cultura”, produzida nos centros de excelência da doutrina ortodoxa-monetarista dos Estados Unidos e das filiais brasileiras. Nessa área da formulação econômica-financeira, não considerou nenhum dos muitos economistas que durante anos participaram contribuindo direta ou indiretamente na formulação programática nas campanhas presidenciais de Lula, inclusive na última em 2002.

Por outro lado, em função dos compromissos fundamentais assumidos na campanha de 2002, o próprio presidente Lula (pela maior responsabilidade em assumir o compromisso mudancista) e outros setores do governo estimam e insistem na linha de uma política de desenvolvimento acentuado e ampla geração de empregos, que são contidos na prática pelos preceitos e medidas macroeconômicas emanados da Fazenda e do BC. Em conseqüência dessa dualidade, acredito que o governo está vivendo um certo impasse, resultante de dois conceitos de desenvolvimento, expressos de uma forma ou de outra nas seguintes disjuntivas: protagonismo do Estado ou do mercado na retomada e no projeto do desenvolvimento, inflação baixa como meta absoluta, à custa de taxas de juros elevadas ou metas que considere a principalidade do desenvolvimento com taxas de juros condizentes com o processo produtivo, desregulamentação ou formas de controle na conta de capitais diante da vulnerabilidade externa, superávits fiscais enormes e por muitos anos ou busca de meios para reestruturação da volumosa dívida.

Por causa dessa dualidade de conceitos, mas, sobretudo, em função da
prevalência de um desses conceitos – fiscalista e restritivo do desenvolvimento, na área econômica – não “fecha” a concretização de um projeto comum de desenvolvimento nacional, com distribuição de renda e inclusão social tão essencial ao êxito do governo atual. Desse modo, aflorando indecisões governamentais, se atrasa a formação de convicções comuns que orientem e apliquem de forma sistêmica um novo projeto nacional de desenvolvimento, seu modelo, seus planos e metas, capazes de mudar em tempo hábil o quadro de estagnação e desemprego.

Exemplo disso se encontra quanto à definição e consecução do PPA, do modelo de PPP, do modelo energético, do modelo das agências reguladoras, do plano de investimentos em infraestrutura do BNDES, do plano de ampliação e popularização do crédito, do plano de incentivo a construção civil, dos planos de integração da América do Sul.

Além disso, podemos exemplificar com um fato bastante significativo, que demonstra essa contradição de conceitos sobre o desenvolvimento. Refiro-me à importante sinalização dada pelo governo, reforçada no último trimestre do ano passado, de que 2004 seria o ano do crescimento econômico, fornecendo um discurso pró-ativo para toda sua base de apoio e reforçando a motivação desenvolvimentista no seio do povo e do empresariado. Essa importante indicação foi frustrada já no primeiro mês deste ano com a decisão do COPOM de manter a taxa Selic de juros, e na sua Ata do mês apontar uma freada na sua tendência de queda em conseqüência de “novas ameaças inflacionárias”. Em verdade essa “freada” teve uma conseqüência política muito danosa aos objetivos do governo – mais uma vez seu apelo e impulso ao desenvolvimento foi contido. Objetivamente essa foi uma decisão eminentemente política.

Nós sabemos que essa “cultura” imperante no BC provoca impacto negativo sobre as expectativas futuras, além disso, do ponto de vista da teoria econômica é cada vez mais nítido que, diante de uma situação de pressão de custos, pois em nosso caso é patente que não existe hoje pressão de demanda, a elevação da taxa de juros não é o instrumento cabível e adequado.

Meu caro José Alencar também concordamos com sua opinião de que o governo e as forças que o sustentam “tem de fazer um trabalho de informação à nação”. Não se pode perder esse momento histórico para consecução das mudanças exigidas pela maioria da nação, em que novas forças políticas e sociais alcançaram o centro do poder, numa ampla aliança entre trabalhadores, classe média e empresários. O nosso Partido tem como centro da sua política atual o êxito do governo Lula. Por isso, defendemos que é possível realizar um grande movimento que reúna trabalhadores, empresários, o povo, visando o redirecionamento da política macroeconômica. Ressaltamos que seu papel, como Vice-Presidente da Republica e destacado homem público é imprescindível para reforçar tal empreitada. Conte com a nossa modesta contribuição.

Saudações efusivas,

Renato Rabelo – Presidente Nacional do PCdoB.