Autor de artigos que aparecem semanalmente no jornal The New York Times e também são publicados em diários de todos os continentes, Krugman é o colunista mais odiado e o mais admirado dos Estados Unidos. Para os adeptos do Partido Democrata, é um arauto. Para a maioria dos republicanos, um inimigo.

Famoso por defender seu ponto de vista frequentemente em tom beligerante, Krugman pode se orgulhar do fato de suas ideias não passarem despercebidas. Isso fica explícito nas reações que provoca. Em palestras, é comum receber aplausos de plateias em pé. Por outro lado, recebe ameaças anônimas, e o portão de sua garagem já amanheceu cravejado de ovos.

Nos últimos tempos, Krugman tem intensificado as críticas à política para reanimar a economia americana adotada pelo banco central do país, que considera para lá de tímida. Depois de passar parte do mês de agosto de férias na Europa, Krugman prepara sua vinda ao Brasil para participar do Exame Fórum, no dia 14 de setembro.

Exame – Se o senhor fosse convidado a participar da equipe econômica do próximo governo americano e decidisse aceitar, quais seriam suas três principais decisões?

Paul Krugman – Caso fosse convidado, não aceitaria. Tenho igual influência e uma vida melhor do que se estivesse no governo. Hipoteticamente, faria mais uma rodada de estímulo fiscal. Creio que seriam necessários uns 300 bilhões de dólares por ano para auxiliar governos estaduais e municipais, além de gastos em infraestrutura.

Fora isso, faria um grande plano de refinanciamento habitacional. É insano pensar que não tenhamos feito isso ainda. E, por fim, lutaria por uma política monetária muito mais agressiva. Precisamos aumentar a meta de inflação. Gostaria de 4%, mas aceitaria 3%. Não digo 3% como teto, mas como meta. Atualmente, a meta é 2%, então essa mudança seria um aumento substancial.

O senhor conseguiria colocar isso em prática?

 

Se deixarmos claro que o Fed (banco central americano), ao primeiro sinal de inflação, não vai pisar no freio e aumentar as taxas de juro, as expectativas do mercado vão mudar muito. Essa mudança pode, com certeza, ser feita.

Por que Ben Bernanke, o atual presidente do Fed, não segue por esse caminho?

Gosto de lembrar que, há alguns anos, um eminente economista escreveu um texto crítico à atuação do banco central do Japão por deixar de tentar as várias alternativas que podiam tirar a economia japonesa da recessão que a assolava naquele momento.

Quem era esse crítico? Ben Bernanke. Para mim, está claro que o Bernanke presidente do Fed precisa ouvir o Bernanke professor. O que ele disse sobre as autoridades monetárias japonesas há alguns anos pode ser claramente aplicado a ele agora.

Por que Bernanke teria esquecido seu passado?

Essa é uma pergunta que eu vivo me fazendo. Imagino que seja uma combinação de fatores. Há pressão política. Muitas pessoas da direita têm horror à ideia de inflação e, principalmente, à noção de políticas que possam fazer a economia crescer antes das eleições.

Além disso, existe a questão institucional dos bancos centrais, que sempre escolhem metas que podem alcançar, em vez de optarem por alternativas com um grau de incerteza maior. Por isso, os bancos centrais têm a tendência de fazer menos do que poderiam. Bernanke foi capturado por tudo isso. Hoje, ele é mais banqueiro do que economista.

A crise da zona do euro ainda pode afetar a eleição americana?

Não há mais tempo para uma piora do quadro na Europa ter um grande impacto na eleição. Os Estados Unidos exportam apenas cerca de 2% de seu PIB para a União Europeia. Até mesmo uma grande crise europeia teria impactos moderados no PIB americano. O contágio financeiro pode ser um problema, mas o Fed tem como agir.

Quais são os seus cenários para a crise europeia?

Estou surpreso com o fato de a Europa estar navegando à deriva por tanto tempo. A austeridade sem fim não é um caminho sustentável. Coloco a chance de ruptura do euro, com a saída de Espanha, Itália e, quem sabe, França, em 40%. Quanto à Grécia, a chance de sair do euro é de 80%.

Como é possível evitar que os países saiam do euro?

Seria necessário limitar os custos da dívida da Espanha e da Itália e, ao mesmo tempo, adotar uma política expansionista que permita aos países exportar mais para que consigam sair da crise. Estou mais otimista do que há um mês, porque Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, parece estar mais no controle.

Existem sinais de que ele está disposto a aumentar sua ação. Dito isso, também é certo que tudo pode ruir de uma hora para outra. O fato de o euro não ter quebrado até agora não deve tranquilizar ninguém. Como dizia o professor Rudi Dornbusch, com quem tive aulas, as crises monetárias demoram para chegar a seu pico, mas, logo em seguida, explodem numa velocidade chocante.

O senhor acredita que a oposição alemã a políticas expansionistas possa ser vencida a tempo?

POs alemães têm muito a perder com o rompimento do euro. Na Europa, parece haver uma corrida entre os fundamentalistas, contrários a mudanças na política monetária, e os que querem a flexibilidade intelectual necessária. A questão é ver quem vai ganhar.

Muitos economistas estão preocupados com a desaceleração da economia chinesa. A China terá uma aterrissagem brusca ou suave?

Não há como saber. Os dados sobre a economia chinesa não são confiáveis. Dependemos do que os especialistas em China conseguem enxergar na névoa. O problema é que eles não concordam entre si. Desse jeito, é impossível saber o que está acontecendo lá.

Como fica a economia brasileira em meio a esse cenário global?

O Brasil passou com força pela crise econômica mais severa, logo após a quebra do banco Lehman Brothers. Depois disso, os investidores passaram a amar o Brasil, mas não de forma sábia. Amaram demais. Acharam que estavam diante de um novo Tigre.

O volume de capital para o Brasil acabou aumentando tanto que o real teve uma grande valorização e a economia sentiu. A boa notícia é que isso está sendo corrigido. Em resumo, a situação brasileira é bem diferente da americana e da europeia.

A perspectiva por aqui é positiva?

Sim. Trabalho com temas relacionados ao Brasil desde a crise da dívida na década de 80. Em comparação com o que o país já enfrentou no passado, a situação atual não preocupa em nada. O ambiente no Brasil não é perfeito, mas tem sido calmo e positivo.

O senhor concorda com a tese do descolamento entre as economias dos países emergentes e as do mundo rico?

Teremos um período prolongado de baixo crescimento nas economias avançadas. Como os países em desenvolvimento não sofrem dos mesmos males, essa parte do mundo vai ter um desempenho superior.

Isso lembra muito os anos 30 do século passado, quando a América Latina apresentou resultados muito melhores do que os da Europa e dos Estados Unidos. De modo geral, concordo com a tese do descolamento, embora ache que haverá percalços no caminho.

E o Brasil comparado a outros países emergentes?

Quando comparamos a economia brasileira com uma similar, o país mais óbvio é sempre o México. Nos últimos tempos, o desempenho mexicano foi pior, mas o desaquecimento mais recente aconteceu no Brasil. Por outro lado, há um dinamismo encorajador na economia brasileira. Essa é uma questão que quero aprofundar no debate que terei em setembro, em São Paulo.

 

Fonte: Exame